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fevereiro 11, 2024

CARNAVAL E CINZAS

NILO Emerenciano – Arquiteto e escritor O carnaval traz o eco de antiquíssimas tradições.

Carnaval de Natal - Papo Cultura Foto: Canindé Soares


NILO Emerenciano - Arquiteto e escritor


O carnaval traz o eco de antiquíssimas tradições. Festas pagãs, depois adaptadas ao calendário cristão, cultuavam Dionísio e Baco, deuses dos prazeres e das bebedeiras. O trajeto percorrido desde esses tempos até os atuais, é longo e repleto de mudanças. Minha memória mais distante leva-me só até os corsos da Deodoro, as lanças perfumes, ao esguicho de água, a arrozinas, confetes, serpentinas, blocos de
sujo, papangus e músicas inesquecíveis, tipo Jardineira, Aurora, Me dá um Dinheiro aí.

Carnaval em Natal antigamente – Fatos e Fotos de Natal Antiga

Os clubes disputavam quem fazia o melhor carnaval. América, AABB, ASSEN e Aeroclube eram os mais disputados. As escolas de samba e as tribos de índios eram a cereja do bolo. Os índios Guarani
apresentavam sempre um caçador ferido, com uma faca espetada no peito, cercado pelos índios calçando sandálias de plástico. Mas a gente gostava. A Malandros do Samba, do mestre Melé, era a melhor. Sempre competia com a Pirilampos e a Asa Branca. A Balanço do Morro, de Mestre Lucarino chegou depois e passou a disputar de igual para igual o título de campeã. Mas havia uns competidores de peso. A Acadêmicos do Ar, Aí Vem a Marinha, a Ferro e Aço no Samba, todas faziam a avenida estrondar ao som das suas afinadíssimas baterias.

Malandros do Samba foi a campeã do carnaval de Natal 2023 - Portal Grande Natal

E até o governador entrou na jogada. O Bloco da Gentinha era tipo um bloco oficial, do governo Aluízio Alves. Claro, as cores eram o verde e branco. No mais eram os chamados blocos de elite. Um grupo de rapazes alugava um caminhão, contratava uma banda e saía pelas ruas da cidade a dançar e namorar as moças das famílias que recebiam a turma em suas casas, nos chamados assaltos.

Saí num desses blocos antes de passar a trocar o carnaval pelas praias. Minha impressão? Divertido, mas extremamente cansativo. Sei que pareço o Lorde Chesterfield ao dizer sobre o sexo: “O prazer é momentâneo, a posição ridícula e a despesa condenável”. Não sei quanto ao lorde, mas na quarta-
feira de cinzas eu me sentia um pouco menos que cinzas. Isso porque após o dia inteiro nas ruas, fechávamos a jornada em um dos clubes da cidade. No ano em que participei os caminhões haviam sido substituídos por tratores puxando dois ou três semirreboques. Depois os blocos acabaram.

Bloco de elite Puxa Saco Foto: Natal das Antigas

Surgiu a Banda Gália com a turma no pé, mais ao estilo do carnaval de Olinda. Era meio que o estertor de um carnaval de rua espontâneo e superdivertido. Houve um tempo em que a turma alegre buscava os carnavais de Olinda ou Salvador, correndo atrás dos trios elétricos de Dodô e Osmar ou dos bonecos do Zé Pereira e o Homem da Meia Noite nas ladeiras de Olinda.

Banda Gália– Fatos e Fotos de Natal Antiga

Depois era uma esticada até Canoa Quebrada, na época lugar de difícil acesso e hospedagem idem. Ao alugar um quarto nos era entregue uma vela, fósforos e uma rede suspeitíssima. A diária dava direito a
um galão d’água, não mais. Em Canoa não havia energia elétrica, a água era escassa, a cachaça feita de caju, o café de uma frutinha que não lembro o nome, e ainda rolava um tal de coco louco que fazia o maior sucesso. Mas havia muita badalação na vila e na beira da praia, arrematada com o pôr do sol de quase 180 graus visto lá de cima das dunas. Não há como não sentir saudades.

Antes do advento da TV em cores o nosso conhecimento das escolas de samba do Rio de Janeiro era via revistas tipo Manchete ou O Cruzeiro. Fotos das belas mulheres em fantasias espetaculares enchiam a nossa imaginação. E sempre abriam espaço para o estranhíssimo, na minha opinião, concurso de fantasias de luxo, que celebrou os nomes de Clóvis Bornay, Evandro de Castro Lima e Wilza Carla.

Clóvis Bornay: o eterno rei das passarelas do Carnaval

O que eu achava ser meu bom senso apitava aos meus ouvidos: quanto desperdício e futilidades, senhor! E depois a nudez, que no chamado carnaval da abertura atingiu seu ponto máximo, com exibição até do que chamaram “genitália desnuda”. Em comparação, os desfiles de hoje são coisa de noviças.

Musas do carnaval 2023 apostam em figurinos que tapam apenas áreas estratégicas Foto: O Globo

Mas havia também o lado político das manifestações carnavalescas. Em 1986, já em clima de abertura, a
Império Serrano cantava e o povo acompanhava fazendo coro: “Me dá, me dá/Me dá o que é meu/Foram vinte anos/ Que alguém comeu” em alusão aos vinte anos de ditadura.

Império Serrano cantou um dos hinos da abertura política - Foto: Extra Online

Que bom que existe tanta gente aguerrida mantendo vivo o nosso carnaval. Alguns por amor à tradição, outros em busca da oportunidade de ganhar algum dinheiro, outros ainda por pura diversão. Há grana no ar e já li que vários artistas de fora virão animar a nossa festa a peso de ouro, enquanto nossas Escolas de Samba recebem minguados reais que não cobrem as despesas e os Mestres dos grupos folclóricos
não recebem, desde o ano passado, seus RPVs.

Escolas de samba de Natal: Foto: Agora RN

Artistas locais também estarão presentes nos vários chamados “polos” espalhados pela cidade e nas cidade litorâneas. É um carnaval mais contido, organizado, eu diria até familiar. Enfim, há gosto pra tudo, até pro mela-mela do bloco dos Cão, na Redinha. Enfim, vamos lá.

Cobertos de lama, foliões mantêm tradição do bloco 'Os Cão' em Natal - fotos G1RN

Para muitos, um repouso, a oportunidade de uns dias de descanso. Para outros, a oportunidade de extravasar a alegria com os amigos e a família. E para uma parcela mínima, com certeza, os excessos, os exageros, a busca desenfreada do prazer a todo custo.

A todos esses eu desejo um bom e feliz Carnaval. E deem licença, pois acho que ouvi um som de bandinha se aproximando por aí

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