CARNAVAL E CINZAS
NILO Emerenciano – Arquiteto e escritor O carnaval traz o eco de antiquíssimas tradições.
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NILO Emerenciano - Arquiteto e escritor
O carnaval traz o eco de antiquíssimas tradições. Festas pagãs, depois adaptadas ao calendário cristão, cultuavam Dionísio e Baco, deuses dos prazeres e das bebedeiras. O trajeto percorrido desde esses tempos até os atuais, é longo e repleto de mudanças. Minha memória mais distante leva-me só até os corsos da Deodoro, as lanças perfumes, ao esguicho de água, a arrozinas, confetes, serpentinas, blocos de
sujo, papangus e músicas inesquecíveis, tipo Jardineira, Aurora, Me dá um Dinheiro aí.
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Os clubes disputavam quem fazia o melhor carnaval. América, AABB, ASSEN e Aeroclube eram os mais disputados. As escolas de samba e as tribos de índios eram a cereja do bolo. Os índios Guarani
apresentavam sempre um caçador ferido, com uma faca espetada no peito, cercado pelos índios calçando sandálias de plástico. Mas a gente gostava. A Malandros do Samba, do mestre Melé, era a melhor. Sempre competia com a Pirilampos e a Asa Branca. A Balanço do Morro, de Mestre Lucarino chegou depois e passou a disputar de igual para igual o título de campeã. Mas havia uns competidores de peso. A Acadêmicos do Ar, Aí Vem a Marinha, a Ferro e Aço no Samba, todas faziam a avenida estrondar ao som das suas afinadíssimas baterias.
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E até o governador entrou na jogada. O Bloco da Gentinha era tipo um bloco oficial, do governo Aluízio Alves. Claro, as cores eram o verde e branco. No mais eram os chamados blocos de elite. Um grupo de rapazes alugava um caminhão, contratava uma banda e saía pelas ruas da cidade a dançar e namorar as moças das famílias que recebiam a turma em suas casas, nos chamados assaltos.
Saí num desses blocos antes de passar a trocar o carnaval pelas praias. Minha impressão? Divertido, mas extremamente cansativo. Sei que pareço o Lorde Chesterfield ao dizer sobre o sexo: “O prazer é momentâneo, a posição ridícula e a despesa condenável”. Não sei quanto ao lorde, mas na quarta-
feira de cinzas eu me sentia um pouco menos que cinzas. Isso porque após o dia inteiro nas ruas, fechávamos a jornada em um dos clubes da cidade. No ano em que participei os caminhões haviam sido substituídos por tratores puxando dois ou três semirreboques. Depois os blocos acabaram.
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Surgiu a Banda Gália com a turma no pé, mais ao estilo do carnaval de Olinda. Era meio que o estertor de um carnaval de rua espontâneo e superdivertido. Houve um tempo em que a turma alegre buscava os carnavais de Olinda ou Salvador, correndo atrás dos trios elétricos de Dodô e Osmar ou dos bonecos do Zé Pereira e o Homem da Meia Noite nas ladeiras de Olinda.
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Depois era uma esticada até Canoa Quebrada, na época lugar de difícil acesso e hospedagem idem. Ao alugar um quarto nos era entregue uma vela, fósforos e uma rede suspeitíssima. A diária dava direito a
um galão d’água, não mais. Em Canoa não havia energia elétrica, a água era escassa, a cachaça feita de caju, o café de uma frutinha que não lembro o nome, e ainda rolava um tal de coco louco que fazia o maior sucesso. Mas havia muita badalação na vila e na beira da praia, arrematada com o pôr do sol de quase 180 graus visto lá de cima das dunas. Não há como não sentir saudades.
Antes do advento da TV em cores o nosso conhecimento das escolas de samba do Rio de Janeiro era via revistas tipo Manchete ou O Cruzeiro. Fotos das belas mulheres em fantasias espetaculares enchiam a nossa imaginação. E sempre abriam espaço para o estranhíssimo, na minha opinião, concurso de fantasias de luxo, que celebrou os nomes de Clóvis Bornay, Evandro de Castro Lima e Wilza Carla.
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O que eu achava ser meu bom senso apitava aos meus ouvidos: quanto desperdício e futilidades, senhor! E depois a nudez, que no chamado carnaval da abertura atingiu seu ponto máximo, com exibição até do que chamaram “genitália desnuda”. Em comparação, os desfiles de hoje são coisa de noviças.
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Mas havia também o lado político das manifestações carnavalescas. Em 1986, já em clima de abertura, a
Império Serrano cantava e o povo acompanhava fazendo coro: “Me dá, me dá/Me dá o que é meu/Foram vinte anos/ Que alguém comeu” em alusão aos vinte anos de ditadura.
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Que bom que existe tanta gente aguerrida mantendo vivo o nosso carnaval. Alguns por amor à tradição, outros em busca da oportunidade de ganhar algum dinheiro, outros ainda por pura diversão. Há grana no ar e já li que vários artistas de fora virão animar a nossa festa a peso de ouro, enquanto nossas Escolas de Samba recebem minguados reais que não cobrem as despesas e os Mestres dos grupos folclóricos
não recebem, desde o ano passado, seus RPVs.
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Artistas locais também estarão presentes nos vários chamados “polos” espalhados pela cidade e nas cidade litorâneas. É um carnaval mais contido, organizado, eu diria até familiar. Enfim, há gosto pra tudo, até pro mela-mela do bloco dos Cão, na Redinha. Enfim, vamos lá.
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Para muitos, um repouso, a oportunidade de uns dias de descanso. Para outros, a oportunidade de extravasar a alegria com os amigos e a família. E para uma parcela mínima, com certeza, os excessos, os exageros, a busca desenfreada do prazer a todo custo.
A todos esses eu desejo um bom e feliz Carnaval. E deem licença, pois acho que ouvi um som de bandinha se aproximando por aí