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março 24, 2024

BRUTA FLOR DO FOLCLORE

Nilo Emerenciano – Arquiteto e escritor Foi Hanns Johst, e não Goebbels, ministro de Hitler, como alguns atribuem, quem disse a frase que parece representar o pensamento de muitos que fazem a administração pública no nosso estado: “Quando eu ouço a palavra cultura, eu procuro pelo meu revólver”.


Nilo Emerenciano - Arquiteto e escritor

Foi Hanns Johst, e não Goebbels, ministro de Hitler, como alguns atribuem, quem disse a frase que parece representar o pensamento de muitos que fazem a administração pública no nosso estado: “Quando eu ouço a palavra cultura, eu procuro pelo meu revólver”. Sutil, não é? Na verdade, a cultura – e os que a fazem - ocupa o último lugar na fila das nossas (deles) prioridades, principalmente quando se
trata de atribuição de verbas.

A preservação do patrimônio cultural é parte – ou deveria obrigatoriamente ser – das políticas públicas do governo. Mas na prática não é o que acontece. Esse pessoal não vê vantagens – leia-se proveitos – em se valorizar a cultura em seus variados aspectos. Sabemos que o retorno financeiro dessas manifestações culturais, coisas como literatura de cordel, grupos de bumba-meu-boi, teatro de rua, contação de histórias e tantas outras, é mínimo para não dizer inexistente. Esses grupos e artistas fazem o que fazem por puro altruísmo e amor às manifestações artísticas.

São vidas dedicadas a fazer uma arte que não traz repercussão midiática, não assegura reconhecimento algum, não gera renda digna de assim ser chamada ou, ao menos,respeito.

É sabido que o prefeito Djalma Maranhão foi o único a apoiar decididamente os festas e eventos em palanques armados nos vários locais de cidade. Criou também um programa de educação chamado De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, além de minibibliotecas e quadras esportivas nos bairros da cidade.

Djalma Maranhão - Foto: Papo Cultura

O que isso tem a ver? Perguntarão. Tudo. Porque cultura anda junto com educação, saúde, esportes
saneamento, segurança pública, assistência social, e não por acaso são atividades que foram praticamente destroçadas nos últimos anos por governos federais conservadores, para não dizer retrógrados.

Há verba para todo tipo de coisas e pessoas: viagens, hotéis, banquetes, shows milionários com artistas medíocres e alheios a nossa própria cultura. Mas quando se trata de valorizar a apresentação de um grupo tipo, por exemplo, A Sociedade de Danças Antigas e Semidesaparecidas Araruna, do Mestre Cornélio Campina, as verbas somem. E vejam que o Araruna, parte da história das Rocas e da cidade, é
uma exceção.

A grande maioria dos grupos folclóricos não têm onde ensaiar ou guardar seus apetrechos, roupas, instrumentos, adereços. Nem transporte para locomoção para as raras vezes em que são convocados para uma apresentação. Ou ao menos grana para a refeição dos componentes. E olhe que somos a terra de Luís da Câmara Cascudo, como alertava um out door postado na entrada da cidade anos atrás, folclorista reconhecido internacionalmente e nosso maior vulto, sem dúvida alguma.

A Comissão Norte-rio-grandense de Folclore, tal como mestres e grupos, artistas e artesãos, resiste bravamente. Luta também com a falta de recursos para ações mínimas que sejam. Eventos, publicações, participação em eventos em outros estados, tudo isso exige recursos inexistentes. Da comissão fazem parte o presidente, Gutenberg Costa, folclorista e pesquisador, a diretora do Instituto Ludovicus, Daliana Cascudo, neta do mestre, os poetas Nando e Marcos Teixeira, José Rodrigues e Beto, gente do teatro, Artur Garcez senhor das danças, Gláucio PeduBreu, mestre do Congo de Combate de São Gonçalo e mais um pessoal aguerrido. Essa turma se desdobra e merece uma atenção maior da mídia e das várias instituições.

Gutenberg Costa
Daliana Cascudo

Um escritor pernambucano vindo a Natal para um seminário, contou que em visita a praia da Redinha viu um pescador que placidamente cutucava o dedão do pé com a ponta de uma faca peixeira. Curioso, quis saber o que ele fazia. O pescador respondeu sem pestanejar: “- Arranco esse poeta”. O poeta em questão era um bicho-de-pé. Há uma boa leitura desse caso. Poetas e artistas devem ser, sim bichos-de-pé. Incomodar sempre, com argúcia e inteligência além de sensibilidade social, a ordem estabelecida.

Quando vamos entender que Cultura deve e precisa contar com recursos e apoio do Estado? Apoio verdadeiro, diga-se. Mas por que, perguntarão? Porque é bem de todos, é patrimônio público. É riqueza imaterial do povo de uma nação. É parte da nossa alma. Tem a ver com a formação de consciência social e por isso necessita incentivo, divulgação, valorização e respeito.

Fica o alerta aos potiguares. A terra de Cascudo, Deífilo Gurgel, de Zé Menininho, de Fabião das Queimadas, de dona Militana, Etewaldo, Xico Santeiro, José Saldanha, Antônio Francisco, Chico Daniel e tantos outros, não pode calar frente ao silêncio criminoso da ignorância em que submergimos.

5 respostas para “BRUTA FLOR DO FOLCLORE”

  1. Robson Simões disse:

    Uma verdadeira tragédia, triste realidade.

  2. Francisco de Assis Varela Barca disse:

    Ora, as sociedades dos grandes espetáculos não tolera a cultura popular, somente os eventos que são apropriados pelo capital, aqueles que rendem poder e dinheiro, fazem parte do elenco da “cultura” medíocre que as prefeituras promovem para a grande massa.

  3. Bom ter acesso a esse grupo. Mia Couto é um escritor extraordinário. disse:

    Um excelente texto sobre o abandono da cultura no RN, mesmo nesse governo de Fátima. Nas prefeituras dos municípios. Um dias desses deu um caminhada no Centro histórico da cidade alta, e ouvir denúncias do desprezo do tratamento dado ao patrimônio cultural daquela área. Numa casa de folheto o funcionário-empregado ficou agradecido pela compra de alguns folhetos. Sabe por que? Ele teria como almoçar naquele dia. Tem que juntar o povo da cultura e lutar pelo reconhecimento do que se faz nesse setor. Os burocratas! Ah, os burocratas.

  4. Maria Grace disse:

    A Cultura para o povo renascendo brotando regada seja por críticas
    e ou opiniões… Falemos e não tão somente… participemos ativamente de sua construção

  5. Anchieta Medeiros disse:

    Realmente é verdade. Tanta grana pra outras coisas sem necessidade. E pra Cultura, nada!