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março 31, 2024

ARTIGO; O mistério pascal e o mal no mundo

Pe.

Pe. Matias Soares - Pároco da paróquia de Santo Afonso M. de Ligório - Natal-RN   

Os cristãos católicos são chamados a celebrar o mistério da Páscoa de Jesus Cristo. Esse é o centro da fé da comunidade cristã. Como observador da fé no contemporâneo, permito-me questionar: O secularismo está sufocando a fé do humano e, nesse caso específico, do cristão católico? A existência de Deus é colocada à prova constantemente, principalmente pelos dramas existenciais pelos quais passam as pessoas.

O mal que está batendo às portas com guerras, as crises climáticas e as doenças terminais que se agravam e estão a gerar sofrimento, dor e mortes pré-maturas, são fenômenos que desconstroem os elementos subjetivos da fé. Os horizontes se restringem e mesmo depois da pestilência que levou à morte milhões de seres humanos em todo o mundo, a humanidade continua a descurar dos grandes problemas que a afligem como um todo e sentimento de vazio tende a se massificar cada vez mais.

No cristianismo o Tríduo Pascal é constituído do mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Já no Domingo de Ramos vemos os paradoxos que envolvem a humanidade, quando seus interesses, egoísmos e vontade de poder, estão em jogo.

Nos gritos do “crucificai-o” já encontramos do que o homem é capaz. O mal o envolve. A violência é para ele uma resposta ao seu fracasso de pertencente a uma mesma humanidade. Ele se torna lobo do outro (cf. T. Hobbes). A violência que leva à guerra, o atrai. No cenário das lutas, o mesmo também pode vir a ser massa de manobra. Os poderosos lavam as mãos, mas têm força e reconhecimento para que outros matem em seus lugares. Diante de tudo isso, poderíamos perguntar: Mas onde está Deus, que não intervém?Essa provocação sempre foi feita.

Bento XVI, quando esteve em Auschwitz a atualizou. O mundo ficou atônito quando o teólogo lançou a questão. Como gigante que foi, precisamos subir em seus ombros para mais uma vez assumir o ponto de interrogação; não porque duvidemos da existência de Deus, mas porque somos chamados a colocar em dúvida o bem do humano sem o amor e a misericórdia desse Deus a quem Jesus Cristo, seu Filho recorre, quando profundamente desolado clama: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? (cf. Mc 15,34).  Não é um grito de negação, mas de total confiança no Senhor, que o escuta e está com ele em seu indescritível sofrer e com sua dolorosa paixão.

A humanidade que assume uma autonomia indiferente e relutante em acolher a proposta de salvação de Deus, no seu Filho, é a mesma que deve ser interpelada: Onde ela está e como está diante de tudo que acontece? Qual o grau de responsabilidade que ela é chamada a assumir diante dos vários desafios postos pela história, com seu momento e espírito próprios? Quando ela, conscientemente, tocará nos sofrimentos que estão sendo impostos à criação? E as várias situações de beligerância em todo o mundo? Os sinais de tantas desigualdades sociais e misérias materiais e espirituais?

A humanidade não pode esquecer o que ela é! O esquecimento de Deus é, sem dúvida, um caminho para o ofuscamento da dignidade do próprio ser humano. O ocidente de raízes cristãs não pode fazer esse percurso, sem trair a sua própria condição absoluta. O grande pensador da teologia política, J. Batista Metz, fez a provocação complementar ao que ousara Bento XVI, a saber: “Onde estava o homem quando aconteceram os ultrajes da II Guerra?”

A questão entra no contexto em que o humano assume o anseio universal de medida de todas as coisas, com suas razões instrumentais e tecnocráticas. O que nos instiga deveria ganhar mais força na Era pós-pandêmica. Como nos lembra o Papa Francisco: “Ou nos salvamos juntos, ou pereceremos juntos” (cf. FT, n. 137).

A partir da celebração da paixão de Jesus Cristo, o mesmo que entra em Jerusalém num jumentinho (cf. Mc 11, 1-11), somos instigados a meditar sobre a nossa missão cristã e eclesial no mundo cada vez mais marcado por um secularismo pós-cristão e sufocante. Quando pensamos e trazemos para o estilo cristão, esse modo de ser e estar no mundo, deveríamos nos conscientizar que o nosso Mestre e Senhor não foi aclamado por causa de títulos, nem buscou o poder que não tivesse a marca do serviço, da crucificação e da obediência ao Pai.

O mundanismo espiritual, o carreirismo e a alienação da realidade não faziam parte da consciência histórica e divina de Jesus Cristo, o mesmo Nazareno (cf. Fl 2, 5-11). A menção do apóstolo aos sentimentos que devemos ter em nossos corações são determinantes para que tenhamos presente a exigência da radicalidade evangélica à qual somos chamados a assumir. A existência cristã não pode ofuscar, renegar, nem trair esse ponto fulcral do seu dinamismo.

Nesse momento crítico da história da humanidade a Igreja não pode trair a sua vocação. Não pode se entregar à mediocridade; a um cristianismo mais religioso do que evangélico. O Papa Francisco tem sofrido, tem sido perseguido e renegado por muitos dentro da própria Igreja por estar trazendo o Evangelho puro e simples para o seu coração, inclusive para suas estruturas pesadas e burocráticas.

Os “funcionários da Corte” e dos títulos, das rendas e dos babados estão a combatê-lo, às vezes diretamente; outras vezes, simbolicamente, para que a Igreja continue a “preservar o mais do mesmo”. Muitos estão a bloquear as ousadias que são fruto do Espírito. Jesus Cristo está sendo proibido de entrar, desta vez, na Igreja com seu jumentinho

. Muitos preferem que Ele entre como príncipe, como senhor de poder e prestígio, com coroas de ouro e não a de espinhos. O problema é que sem o carregamento da cruz, da paixão e da morte, não há lugar para discipulado. Sem este, não pode haver cristianismo belo e verdadeiro (cf. Mt 16, 24-25).  

Diante do exposto, das muitas possibilidades de reflexão que podemos fazer durante estes dias, com o movimento da história ao qual, a partir da ação do Espírito e contagiados pela sabedoria do Evangelho, somos evocados a discernir, que respostas testemunhais e atrativas podemos oferecer como batizados e membros da Igreja, que é Mãe e Mestra, ao ser humano que está situado nesta Era crítica e desafiadora?

A oração e a lucidez da razão são os meios sempre antigos e sempre novos do estilo cristão para contemplar, ver, julgar e agir no mundo. A relação Deus e Humanidade é complementar. As questões postas a Deus são as perguntas que devem ser feitas também ao Homem, na sua integralidade, na sua ecologia integral e necessitado da amizade social com os semelhantes.

No mistério da paixão morte e ressurreição Daquele que é verdadeiramente o Filho de Deus está a resposta imediata e transcendente que busca o humano para o sentido da sua vida e da sua história. O problema do mal está posto, ele existe e a nossa condição humana não pode ser determinada pelo que ele nos impõe. Pois onde abundou o pecado, super abundou a graça e o amor de Deus em Jesus Cristo (cf. Rm 5,20). Assim o seja!

 

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