Aqui agora e ontem

abril 16, 2023

Alex Medeiros – Jornalista e Escritor [alexmedeiros1959@gmail.

Alex Medeiros - Jornalista e Escritor [alexmedeiros1959@gmail.com ]

Houve um tempo em que as ocorrências policiais pertenciam a uma espécie de série B do jornalismo. Por algum tempo, parte da sociedade potiguar dizia que se um leitor espremesse um exemplar do Diário de Natal, o sangue escorreria pelos dedos, como se as páginas de papel fossem feitas de esponjas.

O icônico diretor geral do matutino associado, Luiz Maria Alves, repetia como um clichê sempre que ouvia tal crítica: “a humanidade é que gosta de tragédia e miséria, não sou eu”. E mantinha a linha editorial sempre destacando fotos dos assuntos policiais na capa, não dispensando até imagens de cadáveres.

A maior vitrine criminal da mídia local nos tempos da minha meninice era o programa Patrulha da Cidade, que registrava na Rádio Cabugi grandes índices de audiência. Na imprensa escrita nacional, raras eram as matérias policiais, exceto algumas prisões políticas.

As redes de TV, Tupi, Globo e Record, davam poucos espaços aos crimes comuns. Quando um caso escabroso ganhava cobertura, o país inteiro se estarrecia e o assunto era acompanhado como uma novela. A morte da menina Araceli e o sequestro do menino Carlinhos, em 1973, pararam o Brasil.

O jornalismo policial seguiu como editoria secundária por anos, até que o SBT, inventou o telejornal Aqui Agora, com pauta exclusiva para o crime e reportagens que bebiam na fonte do jornalista Goulart de Andrade, que preencheu de crimes as madrugadas da Globo e Band nos anos 1980.

Gil Gomes, ex-repórter do programa Aqui Agora - Foto: Jornal Correio

Rapidamente, um experiente repórter oriundo da velha rádio Excelsior, que surgiu na cobertura esportiva e trocou os gramados pelas ruas em busca de confusão, se tornou a grande estrela do novo jornal que sacudiu o tradicional horário das novelas com sangue, tiros e assaltos. O Aqui Agora explodiu.

Gil Gomes levou para o vídeo a narrativa espalhafatosa com uma voz gutural que era sua marca no rádio. Sempre com camisa florida e o gesto da mão alisando o ar, ele dava contornos dramáticos ao fato transformando um crime banal numa tragédia fast food. A imprensa europeia veio estudar o telejornal.

Em meados dos anos 1990, eu gerenciava o marketing da TV Ponta Negra, afiliada do SBT. O saudoso Carlos Alberto de Sousa, dono da emissora, pediu para que eu pensasse algo em homenagem aos profissionais de mídia em sua data comemorativa, 21 de junho.

Pensando na figura de Gil Gomes, chamei o repórter Jota Gomes, estrela principal do Aqui Agora local, e bolei um roteiro de um programa fictício com reportagens dentro de algumas agências de propaganda, onde Jota e equipe invadiam os departamentos de mídia para entrevistar os profissionais.

Ninguém entendia nada e danava a responder o repórter sobre uso de verba de cliente na programação da TV Ponta Negra. Ao seu lado, como um cineasta marginal, eu ia dando as coordenadas vestido com um colete negro com as palavras “Agente Federal Publicitário”. Foi uma farra.

E então, em 21 de junho, Carlos Alberto recebeu em almoço numa churrascaria os mídias, agregados, clientes e convidados. Fez um discurso sobre as barreiras do preconceito intelectual com o Aqui Agora e com as editorias de polícia. Depois exibiu num telão o material que eu mandei editar pela equipe de produção do telejornal. No grande salão, grandes risadas em profusão dos comensais publicitários.

Ao final, Carlos avisou: “esse material vai ao ar amanhã em duas edições especiais do Aqui Agora”. E complementou dizendo que se depois ninguém comentasse que viu algum dos entrevistados, não precisava reservar espaços dos clientes no programa. Durante semanas, os mídias cansaram de explicar aos amigos, parentes, vizinhos e curiosos que a presença deles na tela do Aqui Agora era apenas fruto de uma pegadinha da TV. 

Os comentários estão desativados.