AMIZADE

abril 16, 2023

Edílson Avelino dos Santos – Artista Mipibuense Quando ainda menino, tinha medo de contar as estrelas no céu, mesmo desconfiando que fossem infinitas.

Edílson Avelino dos Santos - Artista Mipibuense

Quando ainda menino, tinha medo de contar as estrelas no céu, mesmo desconfiando que fossem infinitas. Tudo porque era comum se dizer que nascia verruga no dedo que apontasse para elas. Uma pena, pois meu pai sempre gostou de morar afastado da cidade e, assim sendo, fosse numa fazenda ou numa chácara, a ausência da luminosidade artificial propiciava o espetáculo noturno que se descortinava ao som majestoso da Ave-Maria no rádio de casa e das longínquas badaladas do sino que até ali chegavam. Era lindo.

Meu velho costumava, após o jantar, armar sua espreguiçadeira no alpendre e prosear, filosofar sobre a vida e suas múltiplas possibilidades e surpresas. Não só pelo poeta que era, mas, sobretudo, pela sabedoria que todo sertanejo acumula vida afora, tudo que dizia tinha o sentido de valer para posteridade como se quisesse, inconscientemente, profetizar, antecipar o que vivenciaríamos mais tarde.

Um dos temas favoritos era a Amizade, ainda lembro. Apesar de ser um tema frequente, jamais se repetia e, sabiamente, utilizava “tintas” suaves quando falava das dores e decepções. E avisava: não há amizade perfeita, pois a busca pela conservação de uma amizade é que determina o aperfeiçoamento do homem. E prosseguia: a verdadeira amizade não é uma via de mão única, ela é regida por normas éticas, de direitos mútuos e, principalmente, de deveres para com o outro.

A antítese da amizade pode ser sintetizada em uma palavra que se fez usual para ser banalizada: egoísmo. É a mais funesta forma de se dar cabo a uma amizade, fazer sangrar o coração de quem, por tantas vezes, jurou honra, amor e fidelidade. A ânsia pela notoriedade, pela fama, muitas vezes ridícula, a conquista inglória, a sedução patética inflada pelo egocentrismo primitivo, a profanação do sacrossanto amor materno, são atitudes e desvios de conduta irreparáveis numa relação de amizade.

No fervor de sua fala, meu pai se cercava de exemplos e analogias para ilustrar o cerne daquele tema: até acho que amigo a gente escolhe, porém alguns, acreditamos serem determinados por Deus, pois, para estes, nada fizemos para merecer tanto desvelo, carinho e respeito. Mas, fiquem certos, mesmo estes, muitas vezes nos ferem de morte, apunhalam a nossa alma de forma a não acreditarmos que exista mais amizade verdadeira. Se não consigo convencê-los do que estou lhes expondo, leiam com atenção a mais bela história que a humanidade já conheceu: a história de um homem chamado Jesus.

E creiam, isso vale para todos, independentemente de credo, de cor, de classe social ou econômica, de distância, de parentesco, enfim.

As conversas com meu pai, no alpendre, se estendiam até às dez da noite e, como faz todo bom orador, guardava a frase mais importante e reflexiva, para o fecho do tema daquela noite: lhes disse que não há amizade perfeita. A busca pela conservação de uma amizade é que determina o aperfeiçoamento do homem, não foi isso que disse? Pois é, se não for assim, não há porque haver amizade.

E hoje, depois de muito caminhar, e vivenciar algumas surpresas da vida, assino embaixo de tudo que ele falou. Se ainda sou surpreendido, não foi por falta de aviso.

Uma resposta para “AMIZADE”

  1. Didi Avelino disse:

    Dedé, grato, caro amigo, por reeditar esse texto. Torço que ele tenha estimulado alguma reflexão nos caros leitores. Afinal, AMIZADE (verdadeira!), esse bem imaterial e intransferível, se revela cada dia mais raro e precioso nesse mundo contemporâneo.