Jornalismo com ética e coragem para mostrar a verdade.

maio 7, 2023

A morte do ‘fio’ da benzedeira

                                                                                                              […].

                                                                                                                                                                          Por Ricardo Sobral - Advogado e escritor                                                                                                            

O benzimento está presente em todas as culturas da humanidade. Baseia-se na fé e nos elementos da natureza. No Brasil, desde os tempos coloniais, devido às precárias condições de assistência à saúde, registra-se  a presença da benzedeira para curar os males do corpo e do espírito. 

Em Ceará-Mirim havia uma benzedeira, moradora de antigo engenho próximo da cidade, que atendia à domicílio.  Com galhos de planta varria as mazelas do abençoado, dizendo:

- Com três te botaram, com três eu te tiro. Com as palavras do Espírito Santo, quebrante e oiado, vaiti pras onda do mar sagrado, com o poder de Deus Pai, com poder de Deus fio, precura  teu lugar onde fostes nascido e criado. Assim como São Francisco das Chagas foi livre e Santo arritirai o oiado de Henrique, com o poder de Deus Pai  precura teu lugar onde fostes nascido e criado (Henrique Sobral, meu sobrinho).

Durante a reza bocejava  e ao terminar informava se a pessoa estava muito carregada ou não.

Normalmente os galhos não sobreviviam à reza, murchavam  totalmente, quando não se desintegravam antes. Era exímia na arte de agradar à freguesia,  um plus  para tonificar a reza e facilitar o óbulo.

Batizaram-na Isabel, mas era conhecida como 'Isabé Garapa'.

Morava com um filho solteirão, fraco do juízo, um doido manso,  mas de conversa macia e paradoxalmente aprumada até ser pressionado.  Quando rareava a gente já sabia: era uma semana de porre  e outra para curar a ressaca.

Em uma dessas carraspanas, após uma noitada na festa da padroeira, copularam mãe e filho. O caso chegou ao domínio público. Grande foi a reprovação popular.

Bestializou-se o varão; semblante desfigurado; expressão perturbada. Nunca mais achou o norte e começou a definhar.

Tempos depois,  manhã de sábado, dia da feira local,  antes de soar o apito da 'Maria fumaça' (trem) anunciando a partida para o Sertão, ecoou na estação o trovejo do Nêgo Pepeu:

- Bastião finou-se agora, no hospital dos doidos, em Natal.

Fotos Ilustrativas

Uma resposta para “A morte do ‘fio’ da benzedeira”

  1. PAULO DE TARSO C GURG disse:

    Valeu grande Ricardo , vc é um mestre na arte da escrita…meus parabéns, gostei muito