Valério Mesquita - Escritor (mesquita.valerio@gmail.com)
Petrarca Feitosa Marinho, o Bispo de Braga, como prefere ser cognominado, é uma das melhores figuras de Macaíba. Oculto, mas culto, autodidata, observa o mundo e as pessoas com extrema piedade cristã. "O Apocalipse" é a sua leitura preferida porque já não crer em mais nada.
-Já me perdi na estrada, gosta de repetir.
O mundo para ele é um caso liquidado. Se não existisse no Sistema Solar não seria necessário cria-lo. “Foi um equívoco de Deus”, vocifera amargurado apontando para um vereador seu desafeto.
Fui encontrá-lo praguejando contra o fechamento do octogenário Bar Gato Preto, nas 'Cinco Bocas' profundas, em pleno centro de Macaíba aflita. Lamentava não haver tirado a megasena. “Reabriria o bar e faria baixar todos os seus fantasmas circundantes, custasse o que custasse.
Contrataria os serviços mediúnicos de babalaô Dedé de Macambira e dona Lourdes Boi, catedrática umbandista da rua do Araçá”, ensinava reverentemente, cheirando tabaco.
-Mas, Petrarca, é muito dinheiro só para a abertura do bar”, arrisca um palpite Severino Viúvo, seu amigo.
-Você compra até Macaíba inteirinha, se quiser, completou estatisticamente.
O Bispo de Braga assumiu um ar filosofal para depois sentenciar, como se ministrasse uma tese. “-Dinheiro, meu amigo, só serve para três coisas: comprar a salvação da alma a igreja mais decente sem títulos protestados; curar quem tiver doente nesse mundo podre e também caráter de cabra safado em véspera de eleição, que em Macaíba tem como uma peste”.
Já se aglomeravam algumas pessoas quando pedi a “Sua Reverendíssima” que fôssemos ao bar mais próximo, rebater o calor da manhã com uma cerveja gelada. Segurou-me o braço para em tom patético profetizar:
-“Só bebo no Bar Gato Preto. Outro lugar pra mim é falso, amaldiçoado”.
Já caminhávamos para a praça Augusto Severo quando Agenor das "Tripas", ex-vereador e sabedor de sua pretensa sorte megasênica, resolveu aborda-lo:
- Seu Bispo, sobra algum dinheiro para ajudar a minha eleição de vereador?
Agenor responde o “prelado”,
- Você é gente boa, humilde e simples. Vai ser explorado pelo povo. Vou lhe dá muito remédio para você distribuir com essa gente. Só não furte do hospital porque é feio. Eu vou comprar mesmo nas farmácias e lhe dá!
Disse isso e entrou na rua do ex-cabaré de Macaíba desaparecendo com os seus mistérios. Como de praxe deixou no ar dúvidas e dívidas, inerentes a todo sábio e pregador de iniquidades.
(*) Artigo publicado no livro "NOTAS DE OFÍCIO" – 2001