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janeiro 7, 2024

A lição do catador de latas no réveillon do Rio de Janeiro 

 Heráclito Noé – Professor de Direito e Escritor Não foram os espetáculos pirotécnicos, a queima dos fogos, o uso criativo e tecnológico dos drones na iluminação dos festejos do final do ano e das primeiras luzes de 2024, que me impressionaram.

 Heráclito Noé - Professor de Direito e Escritor

Não foram os espetáculos pirotécnicos, a queima dos fogos, o uso criativo e tecnológico dos drones na iluminação dos festejos do final do ano e das primeiras luzes de 2024, que me impressionaram. Foi a entrevista de Sérgio Amaro, catador de latas em Copacabana, na Zona Sul da “cidade maravilhosa”, dada a Carlos Brito, G1 Rio.

Sérgio Amaro não gosta quando lhe dizem que carrega o mundo nas costas - ele dispensa a comparação ao titã mitológico Atlas, condenado a sustentar os céus pela eternidade.

Em momento algum o desempregado de 53 anos considera que o arco de 20 quilos de latas que carrega sobre os ombros e a cabeça na tarde desta segunda-feira (31), na orla de Copacabana, é algum tipo de castigo. Pelo contrário: para o ex-ajudante de obras, a tarefa é uma oportunidade.

“Perdi meu último emprego há três anos. Desde então, cato latas. Não posso reclamar, dá para conseguir algum dinheiro e sobreviver. De certa forma, ainda garanto meu sustento”.

Resultado de dois dias de coleta, o material será vendido por R$ 60 em um posto de reciclagem.

Sérgio nasceu em Teresópolis, Região Serrana do Rio - tinha 18 irmãos.

“Naquela época, as famílias tinham muitos filhos. E todos nós vivemos muitos anos. Meu pai mesmo morreu bem velhinho, em 1986”.

Ele começou a trabalhar ainda criança, em carvoarias de Miguel Pereira, também na serra. No entanto, dedicou a maior parte da vida profissional às atividades relacionadas à construção civil.

“Passei muito tempo em obras. Não tenho estudo, sabe? Mas nunca me faltou trabalho”.

O catador, que vive no Rio há 20 anos, não tem filhos. Diz que, dada sua realidade, é melhor assim. Garante não sentir solidão. “Estou acompanhado por Deus em todos os momentos. Não há por que me sentir sozinho”.

Ele costuma dormir sob uma marquise na Rua Siqueira Campos, em Copacabana. A calçada convertida em cama dura e fria também não é motivo para reclamações.

“Lamentar o quê? A única coisa que Deus não conhece é a derrota. Como filho dele, não conheço, também. Agora, me desculpe, tenho que ir embora. Hoje é réveillon. Sabe como é: tem muitas latas para catar”.

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