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janeiro 3, 2021

A goiabeira, o terceiro jogador

Júnior Rebouças, 28/12/2020, São José de Mipibu Eu, meu irmão Marcos e quase todos os garotos da nossa rua, Assis Brasil e adjacentes, nas Quintas, estudávamos no turno intermediário, no Winston Churchil, na Escola Técnica de Comércio ou no Atheneu.

Júnior Rebouças, 28/12/2020, São José de Mipibu

Eu, meu irmão Marcos e quase todos os garotos da nossa rua, Assis Brasil e adjacentes, nas Quintas, estudávamos no turno intermediário, no Winston Churchil, na Escola Técnica de Comércio ou no Atheneu. Era muito raro alguém estudar no Padre Miguelinho, no Alecrim ou no Padre Monte, nas Rocas. Esse referido turno foi uma invencionice para garantir que a demanda de estudantes, no primeiro grau, naquele momento, fosse atendida iniciava às 10h30 e o término às 14 horas. Foi um verdadeiro transtorno na rotina das famílias, o relógio biológico em relação ao almoço, mudou completamente, e invariavelmente todos nós tínhamos tarefas em nossas casas, pela manhã ou à tarde. O horário medonho, intermediário, esculhambou tudo.

Passinho, Valdemar e Neto, trabalhavam com o pai, que era prestanista, vendiam redes, conjunto de panelas, bacias de alumínio, lençóis, pratos e tantos outros produtos... eles eram as mulas de cargas. Erisvaldo, que morava na Marcos Cavalcante, cuidava dos irmãos.Evaldo, ajudava na manutenção de uma vacaria que a família possuía no bairro de Igapó. Eu era quem carregava e entregava os balaios de compras feitas na bodega de Seu Pino, meu pai. Outros carregavam água de galão, alguns cuidavam de animais...Alguns vendiam pipoca ou picolé na corrente. E todos da época tinham, efetivamente, atividades laborais.

Esse turno criou um verdadeiro furdunço social e econômico às nossas famílias suburbanas. Chegávamos pra almoçar, quase às 3 horas da tarde, valendo lembrar também, que não havia lanche na escola. Quando muito um copo de gorgulho, que era uma sopa de um concentrado estranho ou aquele leite horrível que era enviado pelos americanos.

Mas no final da tarde, todos os dias, nos reuníamos para jogar bola, aquela molecada toda, não havia diversão melhor.

Na casa de Assis, a mãe dele, não recordo o nome dela, era muito braba e não raras as vezes, acabava com o jogo e mandava a gente embora. No outro dia, estava todo mundo lá de novo. 

Tinha também em João de Dona Céu, que era uma doçura de pessoa. O problema lá era o pai, seu Gerson, qualquer briguinha, também enxotava a molecada.

Mas o preferido era o Quintal de seu Pino, existiam três goiabeiras que acredito, por milagre, fruteavam praticamente o ano inteiro. Minha mãe também não gostava muito daquela meninada toda, acho que uns dez ou doze, comendo as frutas do nosso refresco do almoço.

Erisvaldo me lembrou um dia desses, que uma árvores ficava num dos lados do nosso campinho, as partidas eram em duplas e permanecia jogando a que fizesse três gols em traves mirins. Através de par ou ímpar era decidido o lado em que jogariam, pois umas das goiabeiras funcionava, por sua localização, como um terceiro jogador. Era uma vantagem enorme. Meu irmão, Erisvaldo e Passinho eram os mestres e driblavam o tronco estático com enorme facilidade. As vezes escurecia, mas só podia encerrar a partida quando os gols fossem convertidos ou por expulsão da dona da casa. 

O tempo foi passando, os campos, em várias vertentes, se expandindo, nossos momentos aflorando e cada um foi cuidar da própria vida. 

De vez em quando sonho jogando em um daqueles quintais, o estranho é que em todos aparece a goiabeira zagueiro.

Que saudades...

Uma resposta para “A goiabeira, o terceiro jogador”

  1. Amauri Freire disse:

    Ótimo texto, Rebouças.
    Continue escrevendo, amigo.