A Cruviana
Manoel Onofre Júnior – Conto do Livro “Chão dos Simples” Embalado no trote de Pachola, Chicão de Tina avistou, de tardezinha, uma casa branca alpendrada na beira do caminho.
Manoel Onofre Júnior - Conto do Livro "Chão dos Simples"
Embalado no trote de Pachola, Chicão de Tina avistou, de tardezinha, uma casa branca alpendrada na beira do caminho.
E como vinha cansado de viagem, decidiu pedir pousada. Então, acochou esporas no alazão e encaminhou-se a meio galope na direção da casa vista.
O homem que se balançava em uma rede do alpendre mandou apear o estranho. Se queria passar a noite, às ordens. Só que a casa era sem acomodações dentro. Tinha o alpendre. Que foi aceito.
E veio cafezinho, veio janta com coalhada, canjica e queijo, a mesa farta.
À boca da noite, conversas no alpendre de sempre, enquanto se debulhava feijão dentro das redes armadas de pilar em pilar. Ali estavam o dono da casa – de nome Seu Aderaldo – mais um morador e Chicão.
De vez em quando parava-se o converseiro e ficava-se só ouvindo a cantoria dos sapos no açude perto. Sucedia alguma vaca do curral mugir com ternura chamando o bezerro.
Aquela estrela já ia bem no alto, quando o morador disse um “vocês, inté amanhã”, e se foi em busca da sua casinha na vizinhança. Chicão, então, sentiu a chegada do sono e lembrou-se de quando era menino: “O sono vem no meio da testa; chega já nos olhos”. Aí a dona da casa botou seu cocó na porta da frente e lembrou, timidamente, que“estava na hora”.
Quando mediram o feijão, haviam debulhado três cuias e meia. O dono da casa desarmou sua rede. Restou no alpendre apenas a do estranho, que ia passar a noite. Antes de entrar, virou-se Seu Aderaldo para este e disse:
– De madrugada, cuidado com acruviana.
“Que bicho será esse?” – pensou Chicão. Ainda teve vontade de perguntar, mas o homem já ia fechando a porta. O que é fato é que o sono fechou os olhos do vaqueiro.
Madrugada, Chicão acordou com uns ruídos estranhos no terreiro. O primeiro pensamento que lhe ocorreu foi: a cruviana! O sol ainda estava longe de nascer, a madrugada era de cor neutra, meio escura. Foi aí que o caboclo notou um vulto esquisito lá para as bandas da casinha do morador. Deixou que se aproximasse mais. Sem dizer “quem vem lá?”, mandou bala pra cima do bicho.
Com os tiros, apareceu logo o dono da casa, ainda em trajes menores.
– Matei a cruviana! – falou Chicão. – Lá está o bicho estrebuchando.
Seu Aderaldo não teve tempo de dizer que cruviana era apenas o friozinho da madrugada, pois o outro o arrastou para ver de perto a coisa ali no canto do terreiro.
Foram e viram Pachola numa poça de sangue, que começava a crescer empapando a terra.