VELHAS NOVAS PRÁTICAS
NILO Emerenciano – Arquiteto e escritor Nos meus tempos de UFRN vi, no antigo cinema Rio Grande, um filme chamado “A Árvore dos Tamancos” O filme é belíssimo, mas o que chamou a minha atenção foi o fato de que, em uma das sequências, um grupo de garotos camponeses brincam de “Não foi você?” Ora, […].
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NILO Emerenciano - Arquiteto e escritor
Nos meus tempos de UFRN vi, no antigo cinema Rio Grande, um filme chamado "A Árvore dos Tamancos" O filme é belíssimo, mas o que chamou a minha atenção foi o fato de que, em uma das sequências, um grupo de garotos camponeses brincam de “Não foi você?” Ora, a mesma brincadeira que nós, colegas de infância, brincávamos, rindo uns dos outros.
O que pode ligar um grupo de garotos dos anos 1960, em Natal, a filhos de camponeses da Lombardia, interior da Itália, do século XIX? Lembrando que o filme é meio documentário, filmado com as pessoas do lugar, seu dia a dia, sua luta contra fome e a miséria, suas histórias e tradições.
Lendo a gente aprende que o culto de Apolo, na Grécia antiga, envolvia oferendas colocadas nas encruzilhadas pelos devotos. Isso não lembra alguma coisa? Ou será que nunca vimos urupemas contendo bebidas e comidas, além de charutos, dedicadas aos Orixás, nas encruzilhadas da cidade, hoje prática mais comum nos subúrbios distantes?
O terço católico, aquela corrente de contas enumerando as Aves Marias e os Credos que as pessoas usam nos dias de hoje, será que tem relação com a masbaha, ou tasbih, cordão com bolinhas usado pelos fiéis do Islã para súplicas e repetição do nome de Alá?
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A fumaça do incenso usada pelos sacerdotes para defumar, não tem parentesco com a defumação dos umbandistas? “Vamos defumar/ a casa do meu Senhor/ a casa do meu/ Senhor que Jesus já incensou”
canta um ponto da umbanda enquanto o pai de santo defuma os quatro cantos do terreiro.
O sinal da cruz, traçado com os dedos e as mãos sobre a testa, boca e peito do religioso não será um gesto ritual de fechamento de corpo?
E o que vocês diriam ao saber que os rituais da morte realizados pelos egípcios incluíam celebrações de sétimo e trigésimo dia tal como hoje nas igrejas católicas se reza pelos defuntos.
Ah, mais uma: os que gostam de palavras cruzadas devem saber que pedra de altar com três letras é Ara, e sobre essa pedra se realizavam sacrifícios de pombos, cordeiros ou animais maiores. Na antiguidade mais distante imolavam-se seres humanos. Se duvidam, vejam no Velho Testamento Abraão se dispondo a sacrificar seu filho Isaac. O garoto escapa por pouco, pois em cima da hora um anjo vem cancelar a
ordem de Jeová.
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Lembrem-se, no altar usado na santa missa católica realiza-se um sacrifício, simbólico, claro, e a vítima é o cordeiro de Deus que tem o sangue e a carne simbolizados na hóstia: Jesus.
Nós nos achamos modernos, contemporâneos da IA, das viagens ao espaço, da Nanotecnologia, das grandes obras de engenharia, da internet, Google e o diabo a quatro, mas observem nas repartições as imagens de santos ao lado dos computadores. Ou terços pendurados nos retrovisores dos automóveis.
No filme de Spielberg, "O Resgate do Soldado Ryan", um sniper, atirador de elite, reza o salmo 23
enquanto dispara eliminando alemães um a um. O Senhor é meu pastor...bang! Me conduz por verdes pastos...bang
Durante a pandemia as pessoas fizeram corrente de orações como estivéssemos na Idade Média e não existissem as vacinas. As mulheres rezadeiras ainda cumprem suas tarefas e contam com grande clientela, mesmo em um bairro cosmopolita como Ponta Negra.
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Os jogadores de futebol fazem malabarismos para pisar o gramado com o pé direito na convicção que isso vai ajudar de alguma sorte no seu desempenho. Vi em algum lugar que a escada da casa de Santos Dumont foi projetada para obrigar todos os visitantes a pisar o primeiro degrau com o pé direito. Ou seja, o Pai da Aviação tinha vínculos com o passado remoto.
A classe média e alta carioca (e também no resto do Brasil), na entrada de Ano Novo, entre fogos de artifício e goles de champanhe, vestem branco, dão pulinhos nas ondas e atiram flores ao mar, sem saber que é uma tradição iniciada com os umbandistas e seus rituais nas areias da praia de Copacabana.
Vi mais de uma vez, em véspera de eleições, políticos respeitados dando presença no antigo terreiro de Mãe Albina, nas Rocas. Como diz meu amigo Gutenberg Costa:- cala-te boca...
Onde quero chegar com tudo isto? Sei que não descobri a pólvora pois o Mestre Cascudo rastreava tudo isso com muito mais talento e erudição. Mas tento mostrar como a nossa evolução ao longo do tempo, mesmo dos milênios, andou a passo de tartaruga manca.
Continuamos invejosos, ambiciosos, egoístas, passionais, violentos e não vejo muitos sinais de mudança a curto prazo. Mas vamos aproveitar a passagem do ano e iniciar um processo de mudança para melhor.
Trabalhar mais, amar mais, olhar as coisas belas, ver filmes, teatro e todas as manifestações culturais. Sim,
porque como vi João Ubaldo dizendo em uma entrevista, "o conhecimento amplia nossa generosidade e nos faz pessoas melhores".
Feliz Ano Novo para todos nós.