Crônicas do domingo
Mery Medeiros e as velhas amizades… Gutenberg Costa – Pedagogo, bacharel em Direito, escritor e folclorista.
Mery Medeiros e as velhas amizades...
Gutenberg Costa – Pedagogo, bacharel em Direito, escritor e folclorista.
O amigo Mery Medeiros, ‘partiu’ agora em 08 de julho. Ele era uma das mais antigas amizades que eu tinha. Tem gente que se admira por eu conseguir manter muitas por décadas a fora. Até perguntam o segredo, como se fora uma receita de bolo a tal longevidade. Podemos perder a paciência com familiares e colegas ocasionais, nunca com verdadeiros amigos. Só é preciso compreensão para ambos e reciprocidade entre as partes. Estar junto nas horas alegres e fracassos. Quem nos procura só nos momentos alegres e de fartura não merecem ser classificado como amigo. Costumo dizer que minhas boas e velhas amizades vêm do tempo das ‘vacas magras’ em minhas ‘fazendas’. Mas tem aqueles que fogem feito o diabo da cruz e só reaparecem nas invernadas e farturas. E é preciso ficar sempre de olho aberto com as ditas amizades interesseiras. Fácil reconhecer os que ficam alegres com nossas alegrias e consequentemente tristes com nossas mazelas. Observem sempre quem chegam à porteira em tempos de secas brabas.
Uma época estando doente em casa, a sábia dona Estela contou as poucas visitas e disse-me: “Aqui só estiveram os seus amigos do peito!”. Quem me conhece sabe que prefiro as fraternas visitas em seus lares e as festas em vida. Mas há seres humanos que preferem ir aos hospitais e velórios! Não perdoei um ‘conhecido’ que ao visitar um amigo em comum ainda disparou seu celular em fotos da situação deplorável do outro. Jesus teria o chamado de raça de víbora e eu, de urubu, mesmo! Quando um amigo se encanta e eu sou indagado se fui ao seu sepultamento, rispidamente respondo-os assim: Não, mas fui a dezenas de suas festas e nunca o vi por lá...
Sou ferrenho adepto que todas as homenagens ocorram em vida. Espero que quem ficar após minha partida, não as aceite e nem se faça presente as tais inoportunas iniciativas. Um saudoso amigo intelectual me contava o porquê de tantas honrarias póstumas, com a seguinte explicação: “Quando se sabe que um rival ou concorrente se foi mesmo desta terra para outra, então haja elogios rasgados ao pobre defunto!”. Chamam popularmente nas cidades interioranas os cemitérios de ‘terra dos bons’! E a canonização, só começa depois de bem morto...
Toda esta conversa de calçada de barbearia é para dizer-lhes o que já havia dito em incontáveis ocasiões às quais o amigo Mery esteve presente. Ouvi quando criança e não esqueci: “Missa só de corpo presente!”. Assim aconteceu em 2001, quando o mesmo recebeu com justiça o seu titulo de cidadania natalense. Nos lançamentos de seus livros, em (1999) e (2006). Nas suas muitas comemorações natalícias no velho ‘Hotel Sol’ da Cidade Alta.
Começamos nossa amizade quando do seu ‘reaparecimento’ no bairro do Alecrim, depois de amenizada a tal anistia política dos chamados anos de chumbo. Lembro que voltastes um pouco diferente daquele irmão do Henfil: desempregado, esquecido, magro e segundo me dizia, sem resquícios de mágoas dos tantos abalos sofridos. Voltou ao seu chão e andou de cabeça erguida, mesmo ‘evitado’ por alguns do seu passado. Depois, tivestes o acolhimento de algumas antigas e novas amizades, como Floriano Bezerra, Hermano Paiva, Sérgio Dieb, Juliano Siqueira, José Willame, George Câmara, Sônia Godeiro, Marcos Dionísio e Roberto Monte, entre outros nomes...
Há poucos dias, foi-se uma valorosa amizade de várias décadas. Um confrade nas conversas e confidências entre os goles de cafezinhos, no saudoso e democrático ‘Café São Luiz’, do velho Grande Ponto. Ali diariamente era aceito com respeito e atenção por todas as ‘tribos’ que lá aportavam, independentemente de posições políticas, religiosas ou futebolísticas. Todo mundo apressava-se em presentear-lhe com uma ficha do tradicional e hoje finado Café...
Uma presença constante ao meu lado em inúmeros bares e restaurantes, mesmo sem sermos ditos ‘boêmios’ na concepção do saudoso Adoniram Barbosa: “Vocês vieram para beber ou conversar!”. Faço registro de sua presença em alguns dessas peregrinações, no meu mais recente livro - Breviário Etílico, Gastronômico e Sentimental da Cidade do Natal, (1999), como também nos tantos eventos culturais espalhados por Natal em que fomos figuras carimbadas. Apresentei-lhe a muitos do meu rol de conhecimentos e também me tornei amigo de muitos ilustres do seu convívio. Foi daqueles poucos, que iam à minha casa, ao meu trabalho e quando não nos encontrava, telefonava para saber como eu me encontrava: “Porque está desaparecido? Algum problema? Apareça lá em dona Odete, no Beco da Lama... Dorinha manda um abraço para a família!”.
Não só incentivou-me, como me ajudou quando da criação da ‘Banda carnavalesca Antigos Carnavais’. Quando eu completei 50 anos de idade, (2009) o amigo quase sozinho, ‘tramou’ a dita inesquecível comemoração, com um festivo café, no salão do restaurante ‘Natural’ da Rua Princesa Isabel. E ele próprio, fazendo a tal ‘intriga do bem’, convidou muitos dos nossos amigos e amigas, que se fizeram presentes, recepcionados com a bela voz do nosso amigo, Fernando Towar. Era daqueles que aprendera com Moisés a arte de ‘tirar leite de pedras’, para ajudar as boas e velhas amizades. Deve-se saber que ninguém nessa vida tão global e passageira pode esquecer ou ser ingrato com aqueles, que muito distante do seio familiar, nos escolhe como irmãos. E todos sabem que Mery, não veio a este mundo, atrás de fortunas, glórias ou medalhões, nem muito menos para lamentar seus sofrimentos, como desculpas para desistir de suas lutas.
Hoje eu repito a frase que você me dirigiu, quase aos gritos, em seus últimos tempos ‘sem memória’, quando o jovem Jean, perguntou-lhe quem era aquele amigo, que lhe olhava perplexo naquele momento e você bradou como um guerreiro: “Você é um grande homem!” Com certeza absoluta, todo o Brasil que não desiste e luta cotidianamente, dirá com justiça e em alto e bom som diante de sua simplicidade e modéstia: Mery Medeiros, você é exemplo de um grande homem e não pode ser esquecido!
Cuscuz
* Júnior Rebouças -Blogueiro e comunicador
O cuscuz nosso de cada dia nos dai hoje para comermos bem.
Alimento que atende ao pobre e a nobreza, fica bem em qualquer mesa, indispensável ao nosso povo nordestino, onde ao comer se diz amém.
Consumido em taba comum, por quem vive na labuta e da dureza, é de milho, depois de moído, uns até o chamam de xerém.
É pra cabra macho do mato, em sua lida na natureza.
Bem cedinho, ainda o galo cantando e o cachorro a latir, antes de sair pra plantação, no café da manhã, desce com qualquer acompanhamento, no leite de gado ou de cabra, feito um gosmento, com ovo, queijo, picado, chambaril, costela, charque, carne de porco, mocotó, fussura de bode, tilápia, carne seca, corvina, até avoador e muito mais.
No almoço vai com feijão branco, tripa assada, buchada, passarinha, asa ou pé de galinha como mistura, toissin, pra dar sabor, maxixe, quiabo, coentro e o que tiver, quero ver na lavoura o peão ter passamento! Dá força pro homem da roça trabalhar, como só ele pode, pro vaqueiro véi, o gado tratar, dar de comer e beber, tanger os bichos de cercado a dentro, à terra arar, preparar o plantio, plantar, colher e correr atrás de animal arredio nojento.
A noite repete a bóia da mei dia, é o costume do caburé caipira, a noitinha, comer aquela pratada, enche o bucho como se fosse novamente trabalhar na enxada. De novo, não podendo faltar a iguaria… também com macaxeira ou batata e pegue mais cuscuz com caça torrada. Aí se deita um tiquin no alpendre da casa, numa rede ele se enfia, acende um brejeiro, escutando a Hora do Brasil, depois é só peidar e roncar o resto da noitada.
E pra não haver muito mais alongamento e encerrar a homenagem ao cuscuz, esse alimento que é de peão e de patrão, universal pros sertanejos da nação, vivendo nesta terra onde o sol o ano inteiro dá luz.
Escuta o que eu digo a tu, por comoção e ação popular, há um decreto do executivo municipal e por parlamentar votação, com essa que é história verdadeira contada e declamada, em rima solta, no texto poético o qual compus, afirma que a capital internacional do guisado e do cuscuz é São José de Mipibu, aqui nas terras onde nasceram os Mopebus.
Muito comovente essa crônica sobre o sentimento de perda de um amigo .