Jornalismo com ética e coragem para mostrar a verdade.

junho 20, 2021

OLHA PRO CÉU, MEU AMOR

Nilo Emerenciano – Arquiteto e escritor Vítimas da Covid, as nossas festas juninas pelo segundo ano não vão acontecer, a não ser na forma virtual.

Nilo Emerenciano - Arquiteto e escritor

Vítimas da Covid, as nossas festas juninas pelo segundo ano não vão acontecer, a não ser na forma virtual. Pena. Vi nas redes. “Decreto estadual proíbe realização de eventos juninos, uso de fogos de artifício e fogueiras”. Compreendo a proibição de aglomerações, infelizmente, mas as fogueiras e os fogos? Até os traques, os espanta-coió e as estrelinhas? Dá pra imaginar um São João sem balões e sem fogueiras? Falta proibir as bandeirinhas, o milho, a canjica, as pamonhas e as adivinhações. Fico pensando nas moças casamenteiras que não vão ter chance de enfiar a faca no tronco da bananeira por força dessa lei. 

Mesmo com todas as transformações trazidas pela modernidade, o São João ainda guarda o peso das tradições populares nas comidas, canções, danças e festejos. Quem nunca passou esses dias no interior não avalia a força e a beleza dessas festas. A minha lembrança mais forte é a de um São João passado em uma fazenda na Serra do Doutor. No terreiro havia um mastro enorme com um estandarte no alto. No estandarte a figura de São João menino, o São João do carneirinho

Durante o dia era o movimento de pessoas chegando, parentes de todas as partes que acorriam para abraçar os tios e avós e participar da festa. Cedo, a fogueira havia sido acesa e a sanfona já era tocada fazendo rolar os sucessos do Trio Nordestino, Marinês, Elino Julião. Mas só a noite o forró começava de verdade. A tradicional banda de sanfona, triângulo e zabumba ocupava um lugar da sala. Acho que nunca dancei tanto na vida.  Até porque se você estiver só “curiando” alguém se aproxima e passa o par para os seus braços. Sem aviso ou combinação. A ideia é a diversão de todos. Desprevenido, eu, rapaz de cidade, calçava sapatos Motinha, marca de sucesso da época, adequados para as matinês do ABC, mas nunca para um forró de pé de serra. De manhã metade do salto havia sido destruída, relado pelo piso de cimento. Mas valeu a pena, ah, se valeu.

Quem nunca dançou uma quadrilha nem sequer sonhou. Seja ensaiada, com todas as figuras: os noivos (a noiva normalmente grávida), o padre, o pai da moça e os soldados de polícia. Ou improvisada, mais divertida, em que todos participam e os erros são motivos de risadas. E há os efeitos colaterais, ou seja, os namoros que surgem desses pares improvisados. Enquanto isso, em derredor da fogueira, se estabeleciam laços de compadrio. “São João disse/ São Pedro confirmou/ Que fulana é minha afilhada /pois Jesus Cristo mandou.”

As jovens procuravam as senhoras experientes na arte da adivinhação para pingar cera de vela na água de um prato. O objetivo era que a cera formasse a inicial do futuro marido. A faca na bananeira tinha o mesmo objetivo. Uma vez minha mãe, para atender as meninas da vizinhança, prendeu a aliança em um fio de cabelo e sustentou sobre um copo d’água. A aliança balançava e batia nas bordas do copo – tim, tim,tim. Contadas, essas batidas indicavam a idade em que a consulente ia casar. Cismou de fazer comigo (isso é o que eu ganhava por ser curioso e ficar por perto), mas cochilou e a aliança caiu no copo. Acho que por isso fui um osso tão duro de roer.

 Essas quadrilhas tem perdido seu espaço, dando lugar aos grupos, tipo escola de samba, que criam coreografias, figurinos, temas e ensaiam o ano inteiro visando participar de concursos promovidos pelas redes de TV. E aí surgiu a quadrilha profissional, estilizada ou tradicional. E há também, parece, uma quadrilha escrachada, humorística. No começo rejeitei toda a ideia, principalmente por aquele passo de caranguejo que as duplas fazem. Mas hoje acho que vale a pena. Nada é permanente, tudo se transforma, fazer o quê? Afinal, a quadrilha como conheci, também era a versão de velhas danças francesas, dançadas depois na corte do Brasil Império. Mestre Cornélio, ali na Rua Miramez, Rocas, com a Sociedade Araruna de Danças Semidesaparecidas, mantinha vivas algumas dessas antigas danças, polcas, valsas, xote, mazurca e a Araruna, dança ligada à cidade do Natal.

Vamos lá. Viva São João! Estamos todos em um momento de anarriê, de recuo, de perdas. Mas breve, com certeza, haverá de chegar o refluxo e vamos depois de um decidido changê, realizar aquele movimento de seguir em frente, seguindo o grito do chamador da quadrilha: Alavantú!

NATAL/RN

Uma resposta para “OLHA PRO CÉU, MEU AMOR”

  1. Rosemilton Silva disse:

    Mestre, Nilo, sou radical. Não aceito a papagaiada da imitação mal feita das escolas de samba. com todo respeito a você, a seu texto e seu pensamento. O São João mais tradicional da serra do Doutor é dos Cury, lá na fazenda São João del Rey. Sou do tipo que se aboleta na frase: “um povo que perde sua cultura, perde sua identida”. Meus respeitos.