Eterna autora de nossas vidas
Val da Costa – É jornalista e escritora Uma das recordações infantis que me cercam hoje é das rosas de minha mãe.

Val da Costa - É jornalista e escritora
Uma das recordações infantis que me cercam hoje é das rosas de minha mãe. Tão belas e perfumadas quanto ela, a mãe seridoense. E sempre muito bem cuidadas. Observando minha mãe cultivando essas belezas naturais (dela e das plantas) comecei a ser cuidadosa também comigo e com minhas coisinhas. Aquele capricho dela ao espalhar uma beleza singela pela casa me deixava fascinada. Fui criando o hábito de arrumar minha gaveta, minha caixa de brinquedos e até meus origames tinha uma pasta organizada e elogiada.

Nessa época, minha mãe era apaixonadamente calma e nós, os três filhos, muito distintos em comportamentos. Naquele tempo, de descoberta para mim e de introspecção para ela, eu a via como uma deusa. Nunca mais eu senti admiração por uma mulher como senti por ela naquela época. Eu fazia questão de ser o que ela quisesse, apesar de não entender nada de futuro e outras coisas que ela falava. Mas existia ali a entrega total de uma mulher a outra, de uma filha a uma mãe.
O ser que ilumina tudo e o que se sente abduzido por ela. Sem demagogia, sem interesse ou sem qualquer noção de perigo ao se render assim. Eu me orgulhava quando me confundiam com ela. Achava que estava me parecendo com uma mulher bonita, que sabia alimentar flores e deixá-las igualmente lindas. Porque isso para mim era o padrão máximo de beleza e soberania feminina. No universo masculino não havia cor, perfume ou forma. Mas no meu mundo, mãe e natureza estavam acima do bem e do mal.
Questionar minha mãe? Nem morta! Ela falava e eu concordava. Ela fazia e eu copiava. Um amor incorruptível. Naquela encantadora época nem TV tinha chegado em casa de pobre. Talvez por essa falta de informação só tenha vindo enxergá-la com os olhos da crítica depois que minha mente expandiu à procura de livros. Nesse momento, os programas televisivos e revistas falavam do diálogo na educação dos adolescentes.

Como senti falta de chão quando percebi que minha querida e admirável mãe era voltada ao monólogo. Nossas desavenças começam com os pais justamente no ponto em que os mais novos se deparam com o conhecimento. Nem os pais querem ceder ao novo, nem os filhos cogitam a possibilidade de haver certeza em pensamentos "arcaicos e estagnados". Ainda lembro, depois de toda a revolução que foi crescer, tornar-me adulta e mãe, daqueles puxões nos dedões dos pés para acordarmos e irmos a escola. Acordávamos com um largo sorriso de mãe confortando uma vida de batalhas.

Minha mãe vive num mundo próprio de divagações e sonhos sobre a realidade. Procuro não mais chocar nossos conhecimentos e não subestimo mais a inteligência emocional que a move, incansavelmente, para a proteção materna. Aconchegante forma de carinho é o modo ingênuo e totalmente dela de aconselhar-nos ou vigiar-nos, como eterna autora de nossas vidas, editando, corrigindo e difundindo nossos comportamentos.
Para minha mãe, Joana Dias.
Texto escrito em 2003
