Alex Medeiros - [alexmedeiros1959@gmail.com ]
Passei quase toda a semana da morte de Rita Lee revendo seus LPs e assistindo shows e entrevistas disponíveis no YouTube. O sentimento de ausência, próprio dos fãs, esteve o tempo todo presente no eriçar de pelos quando as imagens e sons remontavam memórias perdidas da juventude. Também contribuiu a notícia da internação de uma grande paixão e amizade dos primeiros anos adolescentes na Candelária, tempo dos hits da cantora.
Loirinha como a jovem Rita de então, Célia Ataliba me apareceu pouco tempo após eu estabelecer as amizades de geração no novo bairro, tendo no seu irmão, Junior, meu amigo mais constante na convivência que começava no percurso de ônibus para as aulas. Celinha não foi a primeira garota da minha aurora no rock, nem foi a primeira paixão no novo pedaço de céu. Mas foi o amor juvenil que criou laços, a fita vermelha das almas parceiras e cúmplices.
Quando fomos apresentados, no final de 1976, ambos estavam comprometidos com suas respectivas pareias. Não demorou para uma troca de olhares e risos provocarem aquela faísca malandra típica do inexplicável fogo das paixões.
Foi numa animada noite em que a moçada do bairro se concentrou em torno de um parque de diversões, logo após a missa dominical, que eu descobri que seu namoro tinha trincado. O próprio irmão deu o serviço, já estava desconfiado.
Conteve minha abordagem, mas na semana seguinte dançamos em um dos tantos aniversários que reunia a galera candelariana. Eu sabia que seu namoro iria voltar, mas sussurrava Rita Lee: “gaste o tempo comigo, não tenha juízo”.
Passei a ir demais na casa dela, disfarçando nos papos com o irmão, assistindo futebol e até jogo de tênis na TV. Um dia, ela me fez almoçar com a família e me aprontou: tascou cebola no meu prato; até então eu tinha pavor.
Com vergonha de desperdiçar comida na frente dos seus pais, engoli as liliáceas e – incrível – passei a consumir (até agora) como uma das coisas mais deliciosas. Aí, em 1977, Fagner nos deu “teu amor é cebola cortada, meu bem”.
Acho que inventamos o amor sazonal nos intervalos dos nossos corações. Cada nova namorada que sumia, eu voltava pro carinho dela. Um dia deixei o bairro, fui pra Nova Descoberta, comecei militância estudantil e poeticopolítica.
Sumi por um tempo, mas de quando em vez a linha vermelha me puxava de volta. Ela era a mais completa tradução da saudade do bairro, passou a ir comigo nos meus novos ambientes de festinhas estranhas e gente esquisita.
Naquele clima “ritaleenense” de “a gente se olha e não sabe se vai ou se fica”, fomos indo para meu mundo novo; carnaval de Maxaranguape no bloco Banda Um, os domingos em Ponta Negra, rolé no Centro e feriadão em Maracajau.
No verão de 1980, na praia dos hippies domésticos, a estampa de um beijo no coqueiral se eternizou como aquele famoso em Nova York ao fim da Segunda Guerra. Houve uma trégua e eu sumi de novo por dois anos; voltei na eleição.
Na madrugada de 30 de junho de 1982, perambulei por Candelária na moto de uma namorada para festejar seu aniversário de 21 anos. Com um spray de tinta rosa pichei o nome Célia, palavras amorosas e desenhei coraçõezinhos.
Em julho assistimos o voo e a queda do Canarinho, abatido nos tiros de Paolo Rossi. E fomos afogar as mágoas de Zico, Sócrates e Falcão na Praia dos Artistas, repleta de torcedores tristes. A sua estampa loira até saiu num jornal.
- Corte rápido e profundo. No fim de semana, ela partiu numa madrugada. Fui ao seu velório, não quis vê-la morta. Fico com o trecho de um soneto do pernambucano Valter da Rosa: “Mesmo que restem fatos esquecidos / no turbilhão da vida transitória / jamais se perderão, porque vividos”.
Adeus!