Terapia amorosa no Uber
Bruna Torres – Jornalista e escritora Normalizou-se na sociedade contemporânea, estarmos sempre com pressa.
Bruna Torres - Jornalista e escritora
Normalizou-se na sociedade contemporânea, estarmos sempre com pressa. Com pressa para chegar aos lugares, com pressa para comer, pressa para chegar ao trabalho, pressa para chegar em casa e até mesmo pressa para ter sucesso em tudo que se almeja.
Dentre tantas atribuições, o ser humano passou a ouvir menos um ao outro, apesar de que em seu âmago, muito ainda precise ser dito.
Entre minhas andanças, compromissos, trabalho, tantos trajetos que fazem a minha vida se cruzar com motoristas de aplicativos, três situações até hoje carrego comigo.
Em períodos diferentes da minha vida, três motoristas de aplicativo já falaram sobre seus relacionamentos e desventuras amorosas, olha que eu nem sou aquela passageira que puxa papo, na maioria das vezes fico caladinha, mas com a mente perdida em pensamentos.
Mas por alguma razão, às vezes as pessoas sentem que podem partilhar sua história comigo e eu as escuto.
Uma vez, recordo-me de estar voltando da casa de um parente, com a minha filha no colo, e o motorista começou a falar de como hoje, na percepção dele, as mulheres não querem mais nada sério (dei risada nessa hora e pensei: ih, esse aí tá sofrendo por ex), dito e feito, ele começou a contar que tinha separado recentemente, mas ainda gostava dela, me contou outras intimidades e no fim perguntou: "o que você acha que eu devo fazer?"
Essa é uma das perguntas mais difíceis que um ser humano pode fazer ao outro, que rumo tomar da própria vida… Eu, meio intimidada com a complexidade da indagação respondi: converse com ela, veja se estão dispostos a dialogar, se ela quer mudar de atitude, mas se não mudar, é melhor cair fora (quem dera eu pudesse ter ouvido meus próprios conselhos na época…)
Parece até um pouco engraçado, parando para pensar, em como as pessoas querem ser ouvidas, ao ponto de contar suas intimidades para um estranho, não sei se é a necessidade de conversar ou para ter uma opinião de quem está por fora da situação, quem sabe.
Em mais uma aventura, desta vez, estava com um colega de trabalho, não sei ao certo quando a conversa entre nós e o motorista mudou de "boa tarde" para "eu dou tudo para a minha filha, agora ela não quer mais saber de mim e eu não vou ligar para ela".
Não lembro com exatidão de tudo que conversamos, mas me recordo que este motorista estava contrariado em ter que fazer ligações para a filha, procurar saber como ela está, disse que dava tudo para ela, que sempre ligava, mas agora não vai mais ligar porque ela não estava atendendo…
Eu não sei ao certo o que aconteceu entre ele, a ex e os filhos, mas será que de fato os bens materiais são o bastante para conquistar amor e respeito? Não que a garota de 13 anos, segundo o que ele mencionou, esteja certa, mas quem entre pai e filha, detém a maturidade da relação?!
Esses são alguns dos casos que acontecem dentre portas de veículos sendo abertas todos os dias, mas o mais recente e intrigante, o que me fez analisar a facilidade que alguns motoristas têm de me contar suas vidas, foi quando acionei um Uber Moto.
Em primeiro lugar, me senti em uma aventura explosiva na garupa do misterioso moreno de capacete numa moto Bros, ele tinha a destreza de quem domina as artes da fuga do trânsito lento de Natal há bastante tempo. A cada manobra que ele dava na moto, dentre veículos e ônibus, eu me segurava com mais força na lateral da moto pensando: "que aventura é essa que me enfiei uma hora dessas?", e em um dado momento, na moto, ele começou a conversar e contar sua vida, pois moramos no mesmo bairro, por coincidência.
Começamos com um "bom dia" e na metade da corrida, José, vamos chamá-lo assim, já havia me contado que sua ex-esposa, tinha conhecido um cara num aplicativo de namoro, fez as malas, foi embora e ainda levou a cadela deles junto. A situação seria cômica, se não fosse trágica, pois segundo o que ele contou, a mulher tinha largado a estabilidade de um casamento de uma década por uma aventura, que terminou com ela sendo deixada pelo homem que através de uma tela havia lhe prometido uma vida nova, mas que a abandonou depois que ela largou tudo para vivenciar esse novo romance.
Quem sabe, esse é o novo capítulo da vida dela? Sozinha, aprendendo a amar a si mesma, sem precisar aceitar menos do que recebia, quem sabe, ou até mesmo para não acreditar nas primeiras juras de amor que um cara fez para levá-la à cama. Do outro lado da história, nesses casos, a gente nunca sabe de fato o que aconteceu.
Eu já estava imersa na conversa e atenta aos detalhes, partilhei algumas coisas sobre a minha vida e também dos meus casos amorosos, o questionei sobre o tempo dele com a ex, achei um pouco raro para um casal não ter filhos em 10 anos de casamento.
Porém, ele foi sábio e disse uma frase marcante que me deixou reflexiva e irei levar para toda a vida: "Você pode passar 30 anos com uma pessoa e não conhecer ela, porque o ser humano toda manhã acorda com um pensamento diferente".
Acho que por meio de tantos diálogos com desconhecidos, às vezes vou aprendendo um pouco mais sobre a vida. José, neste caso, pontuou algo muito importante sobre como as pessoas estão sempre em constantes mudanças.
Nós, os outros, nada é para sempre, não existe nada nessa vida além de incertezas, doces intervalos, pessoas incríveis e momentos inesquecíveis, mas apesar disso, precisamos lembrar de aproveitar cada momento, não sabemos quando ele será apenas história ou uma confusão amorosa compartilhada com estranhos através de trajetos feitos com motoristas de aplicativos.
nem sei o que dizer, essa crônica foi como um sacode pra vida real. Amo a forma como a autora vai relatando as situações, me sinto parte do ocorrido e mergulho de vez na crônica esquecendo das coisas ao meu redor. Se para a autora cada diálogo com desconhecidos ela vai aprendendo algo, com essas crônicas ocorre o mesmo comigo.
Muito obrigada, fico muito feliz que esteja gostando!