‘Síndrome da turbina’ afeta saúde mental de vizinhos de parque eólico em PE
Em Caetés, Pernambuco, Alzira Maria da Conceição, 81, sai da cama todos os dias às 3h da madrugada para varrer o quintal e adiantar a torra do café.
Em Caetés, Pernambuco, Alzira Maria da Conceição, 81, sai da cama todos os dias às 3h da madrugada para varrer o quintal e adiantar a torra do café. A filha, Maria Alzira da Conceição, 59, levanta junto.
De um armarinho ela tira uma sacola com medicamentos contra pressão alta e calmantes. Todos os dias elas tomam os comprimidos enquanto escutam o ruído de uma turbina eólica. "Bum, bum, bum", diz Maria.
Mãe e filha apresentam sintomas da chamada síndrome da turbina eólica (STE), que médicos e pesquisadores atribuem ao ruído provocado por esses equipamentos. A condição tem sido associada a prejuízos à saúde mental ao provocar dores de cabeça, dificuldade de concentração, insônia, depressão, ansiedade e irritação.
O impacto das usinas de energia eólica sobre a saúde faz parte de estudo que está sendo realizado, até 2026, pela Universidade de Pernambuco e pela Fiocruz. Na primeira etapa da pesquisa, em 2023, 70% dos 105 moradores entrevistados disseram querer deixar a terra onde vivem há gerações por causa da presença das turbinas eólicas. No mês passado, 9 entre 10 famílias entrevistadas em um só dia relatavam problemas de saúde mental.
Na região de Maria e Alzira foram instalados 126 aerogeradores com cerca de 80 metros de altura, divididos em oito parques eólicos que produzem 182 MW e ruídos acima de 43 decibéis (dB) —o som mais alto já registrado foi de 59 decibéis, em uma noite em janeiro deste ano, segundo medições feitas pelo governo de Pernambuco. O ruído médio na cidade de São Paulo em horário de pico, das 7h às 19h, é de 60 decibéis.
Os contratos para a instalação das torres foram fechados há dez anos com moradores que se mudaram para a cidade ou para comunidades próximas. Um vizinho de Alzira, por exemplo, arrendou o terreno e as torres ficam então a cerca de 250 metros de distância da casa dela.
O constante ruído é pior durante a madrugada, quando o barulho ambiental é reduzido e fica mais latente o som gerado pelas hélices. Para piorar, as lâmpadas de segurança coloridas instaladas no alto das torres enfileiradas geram poluição visual. A situação tem obrigado as famílias a custear consultas e remédios para tentar conviver nessa situação.
A presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum, lembra que o Complexo de Caetés foi um dos primeiros empreendimentos eólicos do país e também cita mudanças nas regras —agora, as torres devem estar a pelo menos 300 metros de distância das residências. Afirma, ainda, que as empresas discutem alternativas para mitigar as queixas com 198 famílias da região de Caetés.
Salvaguardas
Outros problemas vêm sendo denunciados e debatidos na implantação das usinas de energia eólica. Pequenos proprietários rurais que arrendam suas terras para a instalação de fazendas eólicas têm convivido com problemas como a assimetria de informações na negociação do arrendamento de suas terras, pagamentos considerados irrisórios e multas exorbitantes em caso de desistência.
Problemas como esses foram apontados num trabalho elaborado por 40 associações comunitárias, OSCs e instituições de pesquisa, publicado ao fim de janeiro. O documento sugere salvaguardas a serem adotadas pelos setores público e privado.
"Nós precisamos da transição energética e de energia renovável, mas como podemos fazer isso sem atropelar os direitos das pessoas que estão no caminho, que vivem naquele território?", questiona Cristina Amorim, coordenadora do Nordeste Potência, iniciativa que apoiou a publicação do documento.
Com informações da Folha de São Paulo