SANTA SEMANA SANTA
NILO Emerenciano – Arquiteto e escritor A Semana Santa passou e nos deixou com uma notícia muito triste: a morte do Papa Francisco, esse sopro renovador na Igreja Católica, pelo menos em atitudes tipo simplicidade, acolhimento a todos, bom humor.

NILO Emerenciano - Arquiteto e escritor
A Semana Santa passou e nos deixou com uma notícia muito triste: a morte do Papa Francisco, esse sopro renovador na Igreja Católica, pelo menos em atitudes tipo simplicidade, acolhimento a todos, bom humor.
A Semana Santa de minha infância era extremamente conservadora. A gente não podia rir, brincar, tomar banho, comer doces. Apenas no domingo de Páscoa, quando após a missa fazíamos uma bela refeição em família. Essas lembranças da minha infância católica me comovem até os dias de hoje. Gosto dos ritos, do Canto Gregoriano, do cheiro de incenso, da cera das velas.
Estudei no Colégio Salesiano São José, na época gerido por padres italianos. Padre Mário, o diretor, padre Falcone, chamado padre Conselheiro, padre Paulo, temido pelos cocorotes certeiros, padre Valdir que hipnotizava os meninos Amadeu e Agostinho que amarravam a batina nas pernas e vinham jogar bola com os garotos e finalmente o velho padre Tenório, que tinha como obrigações cuidar da horta e inaugurar agências bancárias e repartições públicas pela cidade.

Também era o padre Confessor de todos nós nas primeiras sextas-feiras do mês. Fazíamos uma enorme fila e íamos contar ao paciente padre, os nossos deslizes. Que pecado nós tínhamos? Matar lagartixas
com baladeiras, brigar com o irmão ou responder mal a nossa mãe. Na falta de pecados a gente inventava.
O padre Tenório nos perguntava, inquisidor: “- Fez alguma coisa com uma menina? E com menino?” Eu não tinha a menor ideia de que coisa seria essa, mas devia ser bom, imaginava, para preocupar assim o
velho padre. Uma dessas vezes falei que roubava pimentões da horta. Foi assustador. O bom padre Tenório ergueu-se do confessionário, trêmulo, e me expulsou dali sob insultos: canalha, safado, nojento, saia daqui porque não perdoo! Passei dias remoendo o remorso até que sosseguei: estaria Deus na sua
grandeza preocupado com os pimentões de Padre Tenório?

Minha mãe seguia e nos fazia seguir os rigores dos preceitos católicos. Nada de jogar futebol, brincar de tica ou coisa que o valha. Nem rir, tudo em respeito ao Nosso Senhor morto. Na minha primeira comunhão foi uma aflição. Primeiro o terno com uma gravatinha borboleta que me deixava inquieto. Luvas, uma fita nos ombros, cabelo duro de brilhantina. Depois, uma vela decorada nas mãos.
Essa vela mamãe guardou por muito tempo, pois afirmava que nos dias de escuro apenas essas velas santas iriam acender.

E enfim, a hóstia na boca. Não podíamos mastigar ou morder, assim ficávamos com a massa amolecendo
entre dentes até enfim poder ser engolida. Era o corpo de Jesus, não esqueçam. Na Igreja Bom Jesus fui coroinha, participei do lava-pés, confessei e comunguei. Para isso a gente ganhava um santinho e uma nota de cinco mil réis em um envelope.
Já nos dezessete anos fui convocado para fazer Jesus na procissão por causa dos cabelos que usava pelos ombros. Desfilei, ereto, cheio da responsabilidade e da pompa e circunstância do cargo. Quem não deu muita bola para isso foi a garota que fazia a Nossa Senhora, pois passou a procissão inteira dando mole para o Jesus de meia tigela aqui. Enfim, cada um tem a Nossa Senhora que merece.

Eu sabia de cor e salteado a missa inteira em latim. Dominus vobiscum, et spiritu tuo. E as músicas sacras também. “A treze de maio na cova da Iria, no céu aparece, a virgem Maria. Ave, ave, ave Maria.” E por aí. Sabia também a vida de são João Bosco e de são Domingos Sávio. E os fenômenos paranormais que
cercaram a vida desses santos. De são João Bosco contavam que combinou com o amigo que o primeiro a morrer viria avisar se existia vida após a morte. O amigo morreu primeiro e em uma noite João Bosco ouviu portas e janelas abrirem e fecharem. Era o amigo que voltava para avisar “– Bosco, a vida continua depois da morte...” E ai daquele que pusesse em dúvida esses relatos. Os cocorotes de padre Paulo convenciam qualquer um.
Éramos colocados diante de cartazes com os sete pecados capitais. Será que lembro de todos? Soberba, avareza, luxúria, ira, gula, a inveja e a preguiça. Desses, só sabia o que eram a gula, a inveja e a preguiça. Preguiça de levantar pela manhã, gula quando via comidinhas gostosas, e inveja dos meninos filhos
de pais abastados. Luxúria vim apenas a saber o que era muito tempo depois.
Víamos filmes da Vida, Paixão e Morte de Jesus. Jesus aparecia apenas de costas, jamais de frente. O primeiro filme que mostrou o rosto de Jesus foi O Rei dos Reis, com Jeffrey Hunter. Que emoção! Era um Jesus louro de olhos azuis, mas enfim... Confesso que preferia os dramas da paixão levados nos circos que
apareciam no bairro. Era muito mais divertido. Pena que o herói sempre morria no fim.

Até hoje, ao entrar na água do mar me benzo, contrito. Ou quando passo em frente ao cemitério. A herança católica é muito forte em mim. E uso, dependurado no console do carro, um pequeno terço que foi de minha mãe. Assim lembro diariamente do seu carinho.
E oro, ao dormir, a prece que ela me ensinou: Santo anjo do Senhor; meu zeloso guardador; se a ti me confiou a piedade divina; sempre me rege, me guarda, me governa, me ilumina. Amém!

Um beijo, minha mãe! Fica com Deus. E você, Papa Francisco, ao chegar no Céu, se vir uma senhora baixinha, simpática, sorridente, pode lhe dar a mão. Ela era (e é) sua fã.
