PRA FRENTE, BRASIL
Nilo Emerenciano – Arquiteto e escritor Estamos em plena disputa da Copa do Mundo de futebol, a do Catar.
Nilo Emerenciano - Arquiteto e escritor
Estamos em plena disputa da Copa do Mundo de futebol, a do Catar. O torneio tornou-se ao longo dos anos um evento global envolvendo bilhões de dólares em todas as suas instâncias: eliminatórias, contratos de tv, material esportivo, construção de grandes estádios, valorização de jogadores de futebol, premiações, salários de técnicos, publicidades, enfim, um enorme negócio do qual temos apenas uma pequena noção dos altos valores envolvidos.
Para nós, brasileiros, o evento acontece em circunstâncias especiais porque há um grupo de maus patriotas torcendo contra ou se recusando a comemorar os gols da amarelinha. E jogadores que agradam ou não, dependendo de suas opiniões extracampo. Dessa forma Richarlyson não foi tietado apesar do belo gol, porque mete o bedelho em questões sociais de forma muito firme. Tem quem torça contra o Neymar, dito bolsonarista, e tenha ficado feliz com a sua contusão.
Lembro Alberi, o maior craque aqui da província, famoso por ter renovado o contrato em troca de alguns cruzeiros e uma radiola. Deu uma entrevista a um jornalista e disse uma porção de bobagens quando instado a emitir opiniões políticas. Alberi era uma pessoa simples. Em época de patrulhamento ideológico saltei em sua defesa: “- Não me interessa a sua opinião. Quero que jogue bola!”.
Veio-me à memória também os brasileiros libertados em 1970 em troca do embaixador alemão que havia sido sequestrado. Reunidos no exílio, ainda na Argélia, discutiam intensamente se torciam ou não pela seleção na Copa do México, já que a ditadura iria se beneficiar de uma possível vitória. Não teve jeito: na hora do gol, mesmo os mais radicais saltaram e gritaram em franca comemoração.
Não é a primeira vez que uma competição esportiva desse nível é disputada em um país sob regime autoritário e ditatorial ou que esporte se mistura com política. No caso atual, do Catar, agravado pelo fundamentalismo religioso que proíbe algumas práticas ocidentais.
Em 1978, na Argentina, os generais estavam no poder e a vitória dos hermanos portenhos foi capitalizada pelo ditador de plantão, general Jorge Videla, aclamado no Monumental de Núñes. Hitler tentou fazer das olimpíadas, de 1938, um aval às suas teorias raciais. Dançou, porque um atleta negro americano, Jesse Owens, ignorou a imaginada superioridade ariana e ganhou quatro medalhas de ouro nas barbas (ou no bigodinho) de seu Adolfo.
No México, em 1968, os atletas negros americanos faziam o sinal dos black panthers no pódio. Nas Olimpíadas de Munique, em 1978, terroristas palestinos sequestraram membros da delegação israelense, causando uma tragédia em que morreram onze atletas, um policial e cinco terroristas. Por enquanto, no Catar, apesar da rigorosa censura, vimos um homem invadir o campo com uma faixa com o arco-íris, símbolo do movimento gay, e jogadores alemães colocarem a mão no rosto em protesto contra a lei do silêncio.
Mas que magia é essa? O que há no futebol que nos atrai mesmo sabendo de todas as tretas, acusações de corrupção e arranjos da Conmebol, FIFA e CBF? Apesar de vermos seus dirigentes serem afastados, processados e mesmo presos sob acusações diversas, até de assédio sexual, mesmo assim nos rendemos ao seu fascínio e nos postamos frente à TV, com vuvuzuela, bandeira e camiseta verde amarela, para vermos 90 minutos de bola correndo e nos iludirmos na presunção de que pelo menos nisso, somos os maiores do mundo, posto que há tempos perdemos.
E o que faz com que eu continue a torcer pelo glorioso Alecrim FC que só esse ano voltou à primeira divisão do campeonato do RN?
Pior que isso só enfrentar as insuportáveis mesas redondas de jornalistas tentando dar um ar de intelectualidade a infindáveis discussões sobre o resultado de jogos ou de escalação de times. Pior ainda quando usam ex-jogadores em busca de um reforço no orçamento. Na luta pela audiência atacam uns aos outros. Há raras exceções. Tostão é sempre uma opinião sensata na sua coluna.
João Saldanha era uma leitura obrigatória. Botafoguense de raiz, contava que na portaria de um hotel em Buenos Aires, intimidado por um argentino enorme que o confundia com um americano sem entender que ele dizia “americano, não, brasiliano”. Vendo a possibilidade de uma briga desvantajosa, foi salvo quando de repente o portenho gritou: “Brasil? Brasil? Flamengo? Ah, Flamengo?!” E aí ele concluiu confessando: “- O Botafogo me perdoe, mas era uma questão de vida ou morte e aí e eu gritei, si, si, Flamengo, Flamengo!!”
O maior, sem dúvida, foi Nelson Rodrigues. Mantinha uma coluna n’O Globo chamada "À sombra das chuteiras imortais", ilustrada por Marcelo Monteiro. É dele a expressão “complexo de vira-latas”, referindo-se aos que achavam os times europeus superiores. Hoje acho que inverteria e criaria o complexo de pinscher, aquele cão minúsculo que se acha um doberman. Os comentaristas de agora chegam ao cúmulo de execrar o único representante remanescente dos grandes jogadores e da genialidade brasileira, Neymar.
Neymar é insolente, seguro de si, driblador, vive como acha que deve e dá uma solene banana para quem o critica. Eu queria onze Neymares. Ah, mas ele ostenta, dirão. Respondo na lata: - A grana é dele, não acham? E merecida.
Penso até que falta nessa seleção aquele ponta do Flamengo que foi fazer o pé de meia, onde mesmo, na Turquia? Michael. Fico pensando que Garrincha não teria vez nesse time de Tite, com suas escapadas noturnas e deliciosa irresponsabilidade. Vamos lá, Neymar, com suas tatuagens e brincos e o seu belo futebol-arte.
Mas enfim, vamos todos juntos, torcer e ganhar. E se não ganharmos, qual o problema? Daqui a quatro anos, com certeza, teremos copa novamente. E dessa vez, quem sabe, estaremos todos juntos de verdade?
👏👏👏👏👏👏👏
Pior que isso só enfrentar as insuportáveis mesas redondas de jornalistas tentando dar um ar de intelectualidade a infindáveis discussões sobre o resultado de jogos ou de escalação de times.👏👏👏👏👏corroboro com o melhor trecho da crônica… muito bom, também assim vejo