OS SACERDOTES DE FÁTIMA
Walter Medeiros – É jornalista Maurício e Luiza formam um casal já na terceira idade, mantendo uma vida a dois há quinze anos, e uma família amorosa sempre presente e participativa.
Walter Medeiros - É jornalista
Maurício e Luiza formam um casal já na terceira idade, mantendo uma vida a dois há quinze anos, e uma família amorosa sempre presente e participativa. Marcam presença em todos os momentos importantes, e têm como hobby viajar, de preferência por onde há algum acervo histórico, principalmente relacionado com banhos termais. Ele gosta de conversar com amigos a respeito dos mais variados temas, porém ciências é o seu ponto fraco, principalmente matemática, seu ambiente de trabalho. Ela o acompanha sempre, e participa de cada momento com os amigos e parentes, e tem belas recordações do seu tempo de aeromoça. Trata-se mesmo de um casal bem humorado, porém sério, e que vez por outra esboça irritação com algum fato criticável. Como aquele momento, num fim de tarde, em que queriam sair de Braga para Lisboa, mas, numa sucessão de distrações, perderam um bom tempo para conseguir retomar o rumo perdido numa entrada errada de um túnel.
O casal é católico e participa de muitos momentos importantes do calendário religioso, com demonstrações de respeito aos postulados da Igreja. Quando se conheceram, ambos eram divorciados. Sentiram que naquela união estaria traçado o rumo para todos os dias vindouros de suas vidas. Passaram a viver juntos, num aconchegante e amplo apartamento dos arredores de Lisboa. As obras de arte e objetos de decoração deixam claro que se trata de um casal português. Uma casa fosse, seria uma casa portuguesa, com certeza. Precisaram de muito diálogo, muita ponderação, muito empenho e dedicação à análise da situação de ambos, para decidirem sobre a convivência a dois, mesmo sem passarem pelo crivo do novo casamento. Mas a decisão foi tomada com base em visões firmes que demonstraram o que desejavam para si, como casal maduro, a caminho de uma vida com filhos e netos.
Apreciam todos os anos as paisagens mais belas da vida lusitana. Da serra da Estrela a Monsanto; de Gerês a Portimão; de Gaia à rota do D’ouro, entre inúmeras outras viagens. Gostam de sentir como viviam os portugueses nos Castelos e Palácios. Desde o deslumbrante mundo do Palácio de Vila Viçosa, onde residiu o último Rei de Portugal, onde estão guardados todos os objetos importantes, até as panelas de cobre, preservadas e mantidas em perfeito estado. E conferem o estado do Castelo de Porto de Moz, com mais de quinhentos anos. Da mesma forma que entram na estrutura monárquica de Vila Nova de Cerveira, onde viveram os ancestrais de Luiza, que tem lá suas origens tradicionais. E quanta reflexão faz nos jardins do Castelo de São Jorge, cuja vida atravessa milênios guardando belezas e mistérios da nação lusitana.
As convicções que tinham sobre seus princípios, e a situação que viviam eram bem claras; daí não acreditarem em dúvidas sobre o estado daquele relacionamento conjugal. Acreditam nas bênçãos celestiais, e sempre buscaram cobrir-se de bons fluidos e votos de dias gloriosos no lar que formaram. Entretanto, vez por outra ficava no ar uma vontade de deixar bem claro que viviam uma vida regida pelas melhores intenções, apesar de não se haverem submetido a novo matrimônio. Ficava a indagação sobre desconforto de uma mulher divorciada viver maritalmente com um homem também divorciado, sem que a união tivesse sido submetida às Leis da Igreja Católica. Intimamente entendiam que o importante era a união e o respeito de ambos entre si. Mas um dia, ao passarem por Fátima, como faziam pelo menos uma vez por ano, tiveram mais tempo de caminhar e visitar a parte moderna da basílica.
Aquela imensa e moderna nave de extensão quilométrica abriga inúmeros confessionários, no corredor ao lado do Museu das Aparições de Nossa Senhora. Tomados de forte emoção, nos dias em que se comemorava o centenário de Fátima, cada um rumou para um confessionário. Não haviam combinado, mas se confessaram e indagaram aos confessores sobre a situação que viviam. O padre que confessou Luiza foi amável e disse que Deus apoia o amor do casal, que pode, na sua interpretação, participar de todos os momentos das celebrações, inclusive recebendo a comunhão. No corredor, Luiza esperou Maurício, que saiu cabisbaixo, frustrado, arrasado. O padre que o confessou declarou tudo ao contrário daquele que confessou a mulher. Segundo ele, aquele casal vive em pecado e não devia ser assim. Não deviam ter direito a participar das celebrações e comunhões enquanto não prestassem contas à Igreja, formalizando entre eles um novo casamento. E assim se foram mundo afora, digerindo aquela inesperada contradição dos sacerdotes de Fátima.