O reacionarismo de esquerda

abril 28, 2024

Alerx Medeiros – Jornalista e Escritor [Instagram @alexmedeiros1959] – Texto publicado na Tribuna do Norte Foram entre 15 e 20 quilômetros vencidos diariamente, durante algumas viagens, e andando a pé uma semana inteira, que me deixaram íntimo da geografia – humana e urbana – do histórico bairro Quartier Latin, situado à margem esquerda do rio […].

Alerx Medeiros - Jornalista e Escritor [Instagram @alexmedeiros1959] - Texto publicado na Tribuna do Norte

Foram entre 15 e 20 quilômetros vencidos diariamente, durante algumas viagens, e andando a pé uma semana inteira, que me deixaram íntimo da geografia – humana e urbana – do histórico bairro Quartier Latin, situado à margem esquerda do rio Sena, em Paris. Hospedado a duzentos metros da Sorbonne e do Panteão, na Avenue Gay Lussac, pude explorar cada pedaço de história dividida nos registros e impressões espalhados pelas centenas de livrarias e sebos que comercializam as lembranças do “maio 68”.

Não dei mais do que dez ou vinte passos para não esbarrar numa vitrine convidativa à minha curiosidade. Muita coisa foi resgatada sobre a greve geral que culminou com a adesão rebelde dos estudantes pelas ruas do bairro latino e pelas cercanias da famosa universidade. Meu passeio diário, quase arqueológico, me proporcionou um bom acréscimo de livros sobre o tema, já devidamente alimentado no Brasil desde os anos 80, e provocou também um excesso de bagagem na soma com as dezenas de livros sobre futebol.

Desde meus tempos de cabelos longos aprendi a separar os conflitos estudantis da revolução careta e sisuda dos partidos comunistas. Maio 68 está muito mais para a contestação do rock ‘n’ roll, para a contracultura e o desbunde hippie do que para o delírio operário da esquerda.

Não à toa as barricadas de Paris tiveram de imediato uma identidade com a revolução comportamental da época, catapultada pela trilogia “sexo, drogas e rock ‘n’ roll” dos Rolling Stones, do que com os manifestos e estatutos inspirados no Politburo de Moscou

Convém anotar que quando o pau cantou nas ruas do Quartier Latin, embalado de um lado pelas canções de Joan Baez e pelo outro pelo zunido dos cassetetes, o Partido Comunista Francês, chefiado por stalinistas, tentou frear as tropas de Cohn-Bendit.

Os interesses da esquerda, principalmente no Leste europeu e na América Latina, jamais combinaram com os anseios da juventude. Muitos intelectuais e artistas idosos do Leste Europeu foram jovens perseguidos por ditaduras socialistas nas décadas de 60 e 70.

No Brasil dos anos loucos, poucos foram os jovens que se aventuraram na militância de esquerda que não se tornaram adultos caretas e sisudos, autoritários e intolerantes com tudo que não represente o poder político e o parasitismo do serviço público.

Folheando os livros e brochuras adquiridos nas expedições em Paris, percebi que sou antigo, remanescente da revolução cultural daqueles anos, nostálgico de uma rebeldia que já não existe nas jovens mentes da era da cultura woke.

Contemplo cada página do livro “500 Affiches – Mai 68”, que reúne as gravuras e cartazes que cobriram Paris, muitos deles produzidos pelo pintor argelino Vasco Gasquet, autor da obra, e contabilizo interpretações equivocadas sobre aquilo tudo.


Houve um tempo em que eu media a chegada da vida adulta observando a ausência de amigos na lista de aprovados do vestibular e descobrindo que os ídolos do mundo eram da minha idade. Hoje sei que sou antigo quando não encontro intelectuais indignados com o stalinismo moderno.

Sou do tempo em que jovens, artistas, escritores, poetas, jornalistas e intelectuais faziam oposição a todos os tipos de governos, quer fossem de direita ou de esquerda. Enquanto a música reagia aos militares na América, os livros combatiam comunistas na Europa.

Mais antigo me sinto agora quando vejo, decepcionado, algumas boas cabeças do ambiente cultural brasileiro emprestando o talento para legitimar a sede de poder de partidos vagabundos e até defender intenções maléficas de reimplantar a censura travestida de “direitos humanos” e “defesa da democracia”. Eu sempre voltarei a Paris

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