O QUARADOR
Gilberto Costa – Poeta e servidor público do INSS Após vivenciar, através dos ouvidos as chuvas caídas pausadamente por um bom tempo na noite de sábado, o compromisso de exercitar os demais sentidos me é imputado na manhã de domingo.

Gilberto Costa - Poeta e servidor público do INSS
Após vivenciar, através dos ouvidos as chuvas caídas pausadamente por um bom tempo na noite de sábado, o compromisso de exercitar os demais sentidos me é imputado na manhã de domingo.
Embrenho-me na caatinga com aquela despreocupação com o tempo de Chronos. O périplo se inicia pelo açude de Dona Nevinha com destino à Muriçoca, seguido à Capelinha de São Sebastião, com retorno pelo Poço de Sant’Ana. O sertão, quando recebe as bênçãos escorridas das nuvens, expõe uma feição multicolorida. É um encanto exercitar a abstração na mata nativa e escutar os cantos dos pássaros, das rãs e sapos. Nessas caminhadas, a memória do celular chega ao limite com a quantidade de imagens captadas que o espaço geográfico proporciona. São chapas as mais variadas possíveis.

Atingido quase a totalidade do percurso, eis que a visão é impelida a se fixar na exposição de bens de consumo não duráveis no corpo de um serrote. Lá está o quarador. Em fração de segundos, sinto-me impelido a fazer uma reflexão. Como num passe de mágica, transporto-me a outro espaço e tempo histórico.
A infância na beira do braço de cá do Rio Seridó invade o corpo já cansado do sessentão. Decanto o olhar para que as imagens pretéritas de minha mãe higienizando nossas vestimentas se façam mais nítidas e presentes nesta manhã de domingo.
Há momentos em que a imagem fala. Não conheço o dialeto dela, Rogo socorro à alma. Ela se apodera das palavras;
A narrativa roga uma pausa. A quem possa ler ofereço Um pretexto para findar o texto.
Passado o frenesi, fixo meus olhos sobre as peças expostas no quarador no meio do mato. Posiciono a câmara por um tempo não quantificado. O tempo de Kairós me faz perder a noção do tempo na duração do olhar.
Foto: Gilberto Costa
