NÓS E O ChatGPT
Nilo Emerenciano – Arquiteto e escritor Em meio a esses corre corres de fim de ano, recebi filho e neto que moram fora do Brasil.
Nilo Emerenciano - Arquiteto e escritor
Em meio a esses corre corres de fim de ano, recebi filho e neto que moram fora do Brasil. Foi uma festa. Meu neto não tem nem 18 anos, mas já maneja o computador como ninguém. Aproveitei e perguntei sobre o ChatGPT.
Há tempos queria saber como funcionava essa coisa que dizem escrever livros, roteiros, trabalhos
acadêmicos, redação de escola, tese de mestrado, qualquer coisa, enfim.
- Fácil, vovô, baixe aí no celular.
-Baixe você, meu filho, sou um Tiranossauro Rex nessas coisas.
E aí ele baixou a coisa e passou a me explicar.
-Veja aqui. Sugira um desenho qualquer. Fui falando.
-Quero uma paisagem rural, com vaquinhas, rio e uma serra ao fundo.
Ele digitou a minha sugestão e a coisa foi surgindo. Incrível. Mais incrível do que isso só as pictografias de Gasparetto. Tudo lá: vaquinhas, um prado verdinho, árvores, um belo riacho e ao longe um serrote pra Seridó nenhum botar defeito. Fiquei besta.
- Não dá pra incluir um vaqueiro junto dessas vaquinhas?
- Claro, vovô.
Foi lá, clicou aqui, digitou ali, e pronto. Um vaqueiro paramentado tal qual os desenhos de Percy Lau dos meus livros escolares.
- E quanto ao texto?
A mesma coisa, vovô. Diga um assunto que o senhor logo vai ver.
Chutei: Folclore no Brasil. Aí a resposta foi mais rápida e acreditem, saiu um belo texto, corretíssimo,
cheio de informações que nem Deífilo Gurgel escreveria. Procurei uma falha, uma imprecisão, algo incorreto, mas qual.
O tal do ChatGPT pensa como um de nós e tem uma rapidez que até parece coisa mediúnica, sobrenatural. Reagi como acho que os Tupinambá reagiram ao disparo da arma de Caramuru, com espanto, medo, perplexidade. Quase que ia buscar um ovo frito e pão para dar como oferenda (cada
um dá o que tem).
Passei o resto da tarde brincando com a novidade. Carta de amor: saiu uma missiva tão apaixonada que nem Humberto de Campos escreveria. Poema apaixonado seguiu-se um soneto de fazer inveja a Olavo Bilac.
Religiões afro-brasileiras: o ChatGPT deitou e rolou, fazendo tremer José Rodrigues, nosso auto proclamado babalaô.
Letra de samba: aí danou-se, veio uma mistura de Noel Rosa com Ataulfo Alves e Chico Buarque. E ao final do texto uma nota: para ser cantado por Marisa Monte, já pensaram? Aí me empolguei e passei a exagerar. Letra de bolero: haja sofrência e a sugestão para usar a voz de Waldick Soriano.
Sob meus protestos o neto digitou “música sertaneja”, e o que saiu foi uma xaropada horrorosa, falando de motéis, raparigas, chifres e outras coisas impublicáveis. E ainda sugeria ao final a criação de uma dupla nova, com o nome de Xororô e Xoxotão. Esconjuro, mangalô três vezes!!!
Mas na verdade em que isso vai dar? As redações de escola, os deveres de casa, os textos jornalísticos, os ofícios, circulares, vão todos a ser escritos por esse Chat? E nossa criatividade, a inventiva, as opiniões pessoais, vão desaparecer?
Será possível a esse ChatGPT escrever um novo Grande Sertão, Lusíadas, Dom Quixote de La Mancha? Ou igualar Os Irmãos Karamazov, Guerra e Paz, Dom Casmurro? Duvido muito. Sou antigo, por isso acho que nada supera o espírito humano, a verve, o pensamento, a experiência acumulada. Sem falar do talento, esse link que temos com as camadas superiores da consciência.
Uma trama intrincada e bela como Augusto Matraga, um personagem rico como Capitu, os belos versos de João Cabral, a arte de Ademir Martins, a riqueza de Viva o Povo Brasileiro ou a grandeza da saga de O Tempo e o Vento, de Veríssimo, jamais poderão ser superados nem ao menos igualados por nenhuma Inteligência Artificial.
Mas vou brincar, claro, com essa ferramenta. Quero ver se escrevendo índios, tacapes, coragem, o ChatGPT escreve um novo I-Juca-Pirama. Ou colocando Ceci Peri, o José de Alencar eletrônico desenvolve um Guarani mais rico e belo.