NAS ONDAS DO RÁDIO

outubro 2, 2022

Nilo Emerenciano – Arquiteto e escritor No último dia sete de setembro o rádio completou 100 anos de existência no Brasil.

Nilo Emerenciano - Arquiteto e escritor

No último dia sete de setembro o rádio completou 100 anos de existência no Brasil. Meu amigo Gutenberg Costa, sempre atento, alertou: - Escreva algo da sua vivência com seu pai.

É verdade. Meu pai faz parte dessa história. Foi radialista, apesar de não ser a sua principal atividade. Ele era telegrafista da antiga Western Telegraph Company, companhia inglesa que atuou no Brasil até 1973 quando acabou a concessão. Ali trabalharam também nomes como Luís Maria Alves, que depois foi diretor do Diário de Natal, Silvino Sinedino, diretor comercial do mesmo jornal e Mirocem Ferreira Lima, a voz do plantão esportivo.

Amaury Dantas, meu pai, fazia os comentários esportivos ao lado de Aluízio Menezes, ali no velho estádio Juvenal Lamartine. Além disso, todo fim de tarde dirigia-se para a redação da Rádio Poti, redigia sua crônica intitulada "Tiro Livre" e logo mais fazia a apresentação durante o programa de esportes. A crônica também era publicada na Tribuna do Norte, na mesma época em que o saudoso presidente da Federação Norte-rio-grandense de Esportes, João Machado, escrevia a sua coluna Curruchiado.

Rádio Poti – Arquivo: Brechando

Guardo lembranças maravilhosas. O rádio era presente na vida de todos nessa era pré-televisão. As novelas eram acompanhadas pelas donas de casa e assunto de conversa nas rodas das calçadas (ainda havia vida social nas calçadas). Para nós, garotos, Jerônimo, o Herói do Sertão, era imperdível. Interrompíamos qualquer atividade para correr ao pé do rádio e acompanhar as aventuras daquele filho de Cerro Bravo, junto com a eterna namorada Aninha e o fiel Moleque Saci. As vezes papai trazia o acetato com alguns capítulos da novela e nós ouvíamos até a exaustão.

“Filho de Maria Homem nasceu
Cerro Bravo foi seu berço natal
lentre tiros e touradas cresceu
hoje luta pelo bem contra o mal...”

Eu era – sou ainda hoje – fã de histórias de terror e relatos policiais. Às onze horas da noite rolava a Ronda dos Fantasmas. Vixe! Eram histórias de assombração de arrepiar. Como se fosse pouco, ao final, o locutor desejava “uma péssima noite para vocês!”, e a gente ia tentar dormir encolhidos sob o lençol.

Para relaxar era só ouvir o "Balança, mas não cai", já com aqueles quadros que mais tarde foram para a TV. "Primo rico e o primo pobre", era meu favorito, com Paulo Gracindo e Brandão Filho. Belas risadas. 

A Rádio Poti contava com um auditório (na av. Deodoro, onde depois foi instalado o Cine Poti e mais tarde a gráfica e redação do Diário de Natal). Ali acontecia a Sabatina da Alegria, Vesperal de Atrações, Domingo Alegre, programas de auditório que reuniam enorme público. As principais atrações, a meu tempo, eram João de Orestes e André Silva. André cantando o sucesso “Django”. Na plateia a gente tentava engatar os primeiros namoricos.

Foto: ND Mais

Manhãs de domingo, depois da missa, a Rádio Rural imperava. Era a hora das histórias infantis dramatizadas. Robin Hood, O Pequeno Polegar

Quando calço minhas botas
dou três passos num segundo
vou até o fim do mundo
num minuto chego lá 

O Gato de Botas, dona Baratinha (quem quer casar com a dona baratinha/que é muito bonitinha e tem dinheiro na caixinha?), a Cigarra e a Formiga. Uma dessas histórias eu achava muito triste: era uma formiga presa na neve pedindo, em vão, a ajuda do vento, do sol, da chuva.

Pelo rádio ouvimos a maravilhosa Copa do Mundo de 1962, no Chile e as descrições dos dribles de Garrincha. Muitos anos depois me emocionei ao visitar Viña del Mar e o estádio de Sausalito. A de 1966 foi uma tristeza só: Pelé caçado, Manga falhando nos gols de Portugal e o Brasil eliminado nas oitavas. Alto falantes eram instalados nos postes do Grande Ponto para que todos acompanhassem os jogos na alegria e na tristeza.

Famosos dribles de Garrincha eram transmitidos com emoção - Foto: Globo Esporte

Transmitia-se de tudo, desde futebol até vaquejadas. Numa dessas, meu pai querendo ir ao banheiro, passou o microfone para uma dessas pessoas que sempre acompanhavam a equipe. “Vá entretendo aí o público, dizendo alguma coisa que já volto.” Ao voltar-se para sair ouviu o locutor improvisado sapecando: “- Amigos, esse é um espetáculo pirotesco!” Papai voltou na bucha e retomou o microfone antes que saíssem mais coisas pitorescas.

Falar em papai, lembrei das noites da Redinha. Nesse tempo a energia elétrica da vila era produzida por um motor que era desligado às 10 horas da noite. Havia uma rádio - amplificadora que transmitia, para os moradores, músicas ao vivo, com violeiros e cantores do lugar. Papai tomou conta do programa e criou uma vinheta calcada em Catulo: “Não há, oh gente minha/luar como esse/da Redinha.” Ele gostava de cantar velhas canções.

Redinha antigamente - Foto: Papo Cultura

Uma noite, em um comício de campanha de Djalma Maranhão, ele soltou a voz: “Violão, para um pouco as tuas cordas/pois assim tu me recordas/ uma ventura de amor”. Djalma aproximou-se e cochichou: “Cante alguma coisa mais animada, Amaury, ou eu perco essa eleição...”

Ah, cliquei os arquivos da memória desses belos dias e noites de um tempo que passou. Acho que vou voltar ao assunto, ajustar o dial, sintonizar o velho rádio de válvulas e contar mais coisas dos tempos de Ouro do Rádio. Como nas velhas novelas: Aguarde! Pois continua na próxima semana...

Uma resposta para “NAS ONDAS DO RÁDIO”

  1. Angela disse:

    O rádio trazia a imaginação, a construção mental dos cenários, a emoção da narrativa e hj ainda trás informações e música.