Nana magnífica
Alex Medeiros – Jornalista e Escrito (@alexmedeiros1959) Texto publicado na Tribuna do Norte Até meus dezesseis anos não havia ouvido a voz de Nana Caymmi, mesmo já mergulhado na guarda feminina da MPB em que imperavam no meu gosto Rita Lee, Elis Regina, Wanderléa, Vanusa, Gal, Nara Leão… Minha ignorância era provocada pela ausência dela, […].

Alex Medeiros - Jornalista e Escrito (@alexmedeiros1959) Texto publicado na Tribuna do Norte
Até meus dezesseis anos não havia ouvido a voz de Nana Caymmi, mesmo já mergulhado na guarda feminina da MPB em que imperavam no meu gosto Rita Lee, Elis Regina, Wanderléa, Vanusa, Gal, Nara Leão… Minha ignorância era provocada pela ausência dela, Nana, no dial das rádios AM, inclusive na Rural “dos padres”, a única a abrir espaço para o bom gosto musical.
Aí, em 1975 ela aparece cantando Beijo Partido, canção de Toninho Horta e tema da personagem de Rosamaria Murtinho (que anos depois Ziraldo me avisou ser nossa gêmea zodiacal, nascida em 24 de outubro). As vozes de Nana, Paulinho da Viola e Luiz Melodia invadiram meus ouvidos que diariamente no duo com os olhos acompanhavam a maior novela da Globo.
Dez anos depois, eu morando em São Paulo, lá estava Nana de novo em Roque Santeiro, a segunda melhor novela da Globo em todos os tempos (ao menos para mim). Ela cantava Fruta Mulher, composição do baiano Vevé Calasans, tema da personagem de Yoná Magalhães. A canção e outras da trilha oficial eu assobiava para embalar o sono do meu primeiro bebê, Marana. Ainda tenho fotos com ela nos braços e também as figurinhas da novela.
O sopro dos lábios solfejava a música e eu via a neném no futuro, na letra cantada no vozeirão de Nana: “Há um outro lado dos contos de fadas / Eu sou diplomada, fui contra a maré / Sou fruta madura, sou mais que sofrida / Sou doida varrida, sou mais que mulher”.
Nana Caymmi ainda me marcaria uma terceira vez, pouco tempo depois, eu iniciando as atividades de publicidade e jornalismo. O ingresso para um show dela no Teatro Alberto Maranhão foi o primeiro mimo que ganhei num trabalho em que nunca faltavam cortesias para eventos.
Foi um show espetacular, aquela voz enfim ouvida ao vivo a metros de mim, a perfeição no aproximar e afastar o microfone, num domínio perfeito da modulação vocal, mais avançada que o auxílio da eletricidade. Quase um canto de sereia a nos puxar dos barcos-poltronas.
Um dia ou dois depois, alguém no saudoso jornal Dois Pontos escreveria notas enaltecendo a grandiosidade de Nana (não sei ao certo, mas pode ter sido a jornalista Rejane Serejo) e informando como um lamento que enquanto 400 pessoas foram ao teatro, havia na mesma noite mais de 5 mil num show de um cantor de axé. Era o princípio do lixo musical que agora o país consome.
Viva Nana Caymmi!
Nana singular

Por Napoleão Veras
Nana Caymmi deixa o mundo que tanto amou e que cantou como poucos. Faz parte do reduzido elenco de artistas únicos, inconfundíveis. Um timbre de voz que certamente não se compara a nada que se tenha ouvido.
Traz no canto uma estranheza e singularidade que pode incomodar à primeira audição — como se necessário fosse acomodar lentamente o ouvido àquela voz diferente, inaugural.
É de se ficar sem acreditar que um fraseado melódico incomum não possa derrapar na desafinação. A possibilidade termina rapidamente, reconhecida sua condição plena de cantora incomum, porém afinadíssima.
Na literatura, se possível fosse o paralelo, poderia ser ombreada ao impacto que desfecha Marguerite Duras, João Cabral, Guimarães Rosa, Clarice Lispector – sobre seus leitores.
A emoção que evoca, que sua voz desfia, amplia-se como se a poesia dissesse bem mais do que o escrito dos versos.
Artista emocional, refinada, diante de quem ninguém conseguirá sair incólume.
Nana sabe das teclas feridas da emoção, que viram laços sobre a sensibilidade do outro levando-o a um prazer e rendição incondicional.
Passeou por quase todo o cancioneiro nacional. Cantou – entre tantos – Caymmi seu pai, Jobim, Milton (dá pra esquecer Sacramento, Cais?), Aldir Blanc e sua Resposta ao Tempo, Ivan Lins, Dori Caymmi o irmão, Suely Costa, Abel Silva e o belo e consagrado disco Voz e Suor, piano de César Camargo Mariano.
Sambas, sambas-canção, boleros, MPB de todo o tempo. O lugar-comum de que esta é uma perda irreparável, neste caso, faz sentido, por justo e verdadeiro. A partida de Nana Caymmi é para ser lamentada e, por que não, chorada.


Você disse TUDO, Alex ! Belíssima crônica , escrita com o coração e com maestria ! Parabéns!