MÚSICA E NOTÍCIAS NO AR
Nilo Emerenciano – Arquiteto e escritor O Capitão me procurou e nem deu tempo para eu o cumprimentasse: – Camaradinha, (é assim que ele sempre me chama) estou aguardando! – O que, Capitão? – O resto do que você estava escrevendo sobre o rádio das antigas.
Nilo Emerenciano - Arquiteto e escritor
O Capitão me procurou e nem deu tempo para eu o cumprimentasse: - Camaradinha, (é assim que ele sempre me chama) estou aguardando!
– O que, Capitão? – O resto do que você estava escrevendo sobre o rádio das antigas.
É verdade. Prometi uma continuação. E o Capitão deu a deixa: - Fale sobre a música, camaradinha, você deixou a música de lado.
Então vamos lá. O programa musical no rádio que mais me marcou naqueles Anos de Ouro (ou chumbo?), sem dúvida, era apresentado por Rubens Lemos, que também fazia radialista esportivo. Não tenho certeza do título, acho que era a Grande Parada. Rubens levava ao ar músicas novas da MPB e, principalmente, tecia comentários esclarecedores e corajosos sobre cada uma daquelas canções e seus autores. Já o conhecia de vista nas transmissões de futebol junto com meu pai, e anos depois o veria como candidato pelo PT.
No cedinho das manhãs ouvia o rádio do meu vizinho bradar em alto e bom som:
“- Acooorda trabalhador!”
E haja música para os que acordavam muito cedo rumo ao trabalho. De tardezinha – que delícia – era ocasião de ouvir a Hora Sertaneja e as canções de Luís Gonzaga
Vai, boiadeiro que a noite já vem guarda o teu gado e vai pra junto do teu bem... Jackson do Pandeiro, Marinês, Trio Nordestino, Elino Julião e mais tanta gente boa, inclusive Zé Menininho, sanfoneiro e barbeiro, com o seu Caixão de Gás, além de Aldair Soares cantando Alvoroço no Sertão que todos lembram como Macaíba em Alvoroço.
Ainda não estavam em evidência as sofrências de hoje, nem as duplas sertanejas/urbanas para as quais, dizem, foi inventada a espingarda de dois canos... Havia, sim, as boas e velhas roedeiras na voz de Silvinho, Waldick Soriano, Cláudia Barroso, Núbia Lafayette.
Quando Luís Gonzaga sofreu um acidente de automóvel nas suas andanças pelo interior e frente aos boatos sobre sua possível morte, Zé Gonzaga, seu irmão, gravou:
"Luís Gonzaga não morreu nem a sanfona dele desapareceu o automóvel na virada se quebrou seu zabumba se amassou mas o Gonzaga não morreu.” Depois era momento de reflexão. Seis horas da noite, a hora do Ângelus. Como dizia o narrador “um ponteiro aponta para a terra e outro para o céu”. A sonoplastia acionava a Ave Maria de Gounod e a voz do padre Eymard L’Eraistre Monteiro invadia nossos lares fazendo belas homenagens à Virgem Maria. Havia melhor maneira de começar a noite.
Não posso deixar de lado os jornais radiofônicos, trazendo notícias locais e – como afirmava pretensiosamente a rádio Jornal do Comércio, de Recife - "Falando para o mundo". O mais importante era o Galo Informa, e a bela voz, sem dúvida, era a de Ademir Ribeiro, da Rádio Poti, “A Voz de Ouro do Rádio Potiguar”. O rádio tinha uma penetração tão grande que a Cabugi anunciava em slogan meio surrealista e sem meias medidas: “Se a Cabugi não deu, a notícia não aconteceu!”
E por falar em Rádio Cabugi, o programa de notícias policiais Patrulha da Cidade era unanimidade. Tinha uma vinheta assim, na voz de Zito Borborema:
“Desculpe, doutor, eu sou inocente falando a verdade com sinceridade preto não mente sou escurinho doutor mas frequento a sociedade não quero que os amigos ouçam meu nome na Patrulha da Cidade.” Eu morava em Ponta Negra e um dia vi um homem alto que usava o orelhão durante um tempão para transmitir notícias dali mesmo, calçada da mercearia de Raimundo. Era Ubiratan Camilo trabalhando para o Patrulha da Cidade. Uma noite fomos juntos ver, na casa de espetáculos Mandacaru, um show de Moacir Franco. Grande e destemida figura. Que bom que o filho agora resgata em vídeos no YouTube (Natal em Chamas) matérias feitas pelo pai. Eram tempos duros, de bandidos terríveis, de um grupo de extermínio chamado Mão Branca e algumas atrocidades impensáveis.
Mas nem só de crimes vivia o rádio natalense. As noites terminavam com um programa chamado “Seresta do Coração” que reunia violões e cavaquinhos às vozes de seresteiros carimbados da cidade. E haja “Chão de Estrelas”, “Malandrinha,” “a Flor do meu Bairro” e tantas joias do nosso cancioneiro.
Não dá para avaliar, hoje, a força que tinha o rádio nos anos 1960/1970. Os mais velhos ouviam a Voz do Brasil com sua maravilhosa característica, os acordes de o Guarani, de Carlos Gomes. Aliás, música clássica só se ouvia no dia dos finados, quando ocupava a programação do dia inteiro. Talvez por isso muita gente não goste, chamando os clássicos – Vivaldi, Mozart, Beethoven - de música de cemitério.
Depois...Bem, aí veio a televisão, a princípio chuviscada, meio inaudível, mas depois invadindo sem nenhum limite as nossas casas, nossas salas e mentes.
Mas essa é outra história.