O São João moderno: entre a tradição e o mercado

junho 22, 2025

Por Geraldo Barboza As festas juninas, com seu cheiro de milho assado e o som contagiante do forró, representam uma das mais ricas manifestações culturais do Brasil.

Por Geraldo Barboza

As festas juninas, com seu cheiro de milho assado e o som contagiante do forró, representam uma das mais ricas manifestações culturais do Brasil. No entanto, por trás da alegria e das bandeirinhas coloridas, esconde-se uma transformação profunda que coloca em xeque a própria essência da celebração.

O que antes era um festejo popular, nascido nas comunidades e nos quintais, tem se rendido progressivamente a uma lógica de cultura de massa. O “arraiá” deu lugar a megaeventos, as cidades se tornam palcos e a experiência junina, em muitos casos, transformou-se em um produto a ser consumido, moldado pelas demandas do mercado.

Essa transição é visível na espetacularização dos festejos. Grandes marcas patrocinam as celebrações, espaços são segmentados em áreas VIP e a espontaneidade popular é substituída por uma programação rigidamente controlada, onde o cidadão se torna espectador em vez de participante.

Essa nova lógica, impulsionada pelo mercado e pelo poder público, impõe adaptações que alteram símbolos sagrados da tradição. Um dos exemplos mais claros é o progressivo desaparecimento das fogueiras, o coração pulsante da noite de São João.

Motivada por questões ambientais legítimas, pela segurança em áreas urbanas densas e por preocupações com a saúde pública devido à fumaça, a ausência da fogueira representa mais do que uma mudança prática; é a perda de um elemento agregador e místico, central para a identidade da festa.

Outro símbolo em debate são os fogos de artifício. O espetáculo de luzes, que por décadas encantou multidões, hoje é visto sob uma nova ótica, a da empatia e da inclusão. O barulho ensurdecedor dos rojões causa pânico e sofrimento a animais de estimação, gera estresse agudo em idosos e provoca crises de sobrecarga sensorial em crianças e adultos no espectro autista.

A demanda por fogos de artifício de baixo ruído ou por espetáculos de luzes silenciosos não é um capricho, mas um reflexo de uma sociedade que busca ser mais consciente e acolhedora com todos os seus membros. Manter a tradição do barulho à custa do bem-estar de tantos é uma escolha cada vez mais difícil de justificar.

A grandiosidade desses eventos, muitas vezes bancados com vultosos recursos públicos, revela também uma faceta política complexa. A relação entre o poder público e o mercado frequentemente traduz a máxima romana do “pão e circo”, oferecendo entretenimento em larga escala como uma possível cortina de fumaça.

Enquanto multidões celebram em arenas e praças públicas, questões estruturais de saneamento, saúde e educação permanecem em segundo plano. O debate sobre a priorização dos gastos públicos torna-se inevitável: o investimento maciço em entretenimento momentâneo se justifica diante das carências permanentes da população?

Esta questão se torna ainda mais gritante quando analisamos a política de contratações artísticas. Milhões de reais do erário são destinados ao pagamento de cachês para um seleto grupo de “artistas midiáticos”, cujas músicas, muitas vezes, pouco dialogam com a raiz da cultura junina.

Em paralelo a esses gastos exorbitantes, assistimos a uma crônica desvalorização dos verdadeiros guardiões da tradição. Sanfoneiros, zabumbeiros, trios pé-de-serra, quadrilhas juninas e artesãos locais, que mantêm a chama da cultura acesa durante todo o ano, recebem cachês irrisórios ou, por vezes, sequer são incluídos na programação oficial.

Esse fenômeno não apenas precariza o trabalho dos artistas locais, mas também promove uma perigosa homogeneização cultural. A diversidade rítmica e poética do forró autêntico é substituída por sucessos comerciais padronizados, empobrecendo a experiência e distanciando a festa de suas origens.

O São João moderno vive, portanto, um paradoxo. Por um lado, movimenta a economia, gera empregos temporários e oferece lazer à população. Por outro, corre o risco de perder sua alma ao se render a um modelo predatório, que padroniza a cultura e ignora as novas sensibilidades sociais.

O desafio atual é encontrar o equilíbrio. É possível realizar grandes festas que, ao mesmo tempo, respeitem o meio ambiente, sejam inclusivas com todos e, fundamentalmente, valorizem e remunerem dignamente os artistas que são a base da cultura popular.

Resta a reflexão sobre qual São João queremos para o futuro: um produto de consumo passageiro ou uma celebração que honre suas raízes, dialogue com o presente e construa um legado autêntico para as próximas gerações.

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