Marinho menos oito
Rubens Lemos – Jornalista Nasceu metade homem, metade anarquia.
Rubens Lemos - Jornalista
Nasceu metade homem, metade anarquia. Há oito anos anos, completados em junho, o futebol perdia Marinho Chagas, Bruxa, menino grande, gazela de elegância tropicana, lateral-esquerdo subversivo de ordens e táticas.
Convenções estáticas. Salgadeira ,Recife, Rio de Janeiro, Copacabana, Princesinhas, Mar, Chacretes, Baixo Gávea, Nova York, Cosmos, tristeza que nada.
Há oito anos , Natal perdeu Marinho. Alguns choraram de verdade, outros de remorso. Outros, como carpideiras profissionais. A esmagadora maioria nem lembra. Dele ou da data.
Os últimos dias de vida de Marinho foram tão cruéis por parte da cidade que o recebia - no auge - para gastar seus milhões, que o destino de meia-armador o enfiou em lançamento até João Pessoa para morrer onde encontrou calor humano.
Um grupo de donos de bancas de revista - santos homens -, convocou Marinho para animar rodas de “bafo”, troca de figurinhas para a Copa do Mundo de 2014.
Deu tão certo que Marinho ensaiou reviver. Crianças iguais a ele o cercavam, brincavam, ouviam suas histórias sobre a Copa do Mundo trinta anos antes, eleito o melhor lateral-esquerdo do mundo na jornada da Alemanha/1974.
Marinho contava dos avanços que encantaram o mundo e já lhe haviam feito sucessor de Nilton Santos, a Enciclopédia do Futebol. Pelo próprio Nilton, no Botafogo precursor da Bruxa.
Foram com Marinho para João Pessoa, Paraíba calorosa, um sábado de manhã. Estava todo faceiro distribuindo assinaturas e alegria. Começou a passar mal. Sangrou da doença(perdi meu pai para ela), do alcoolismo. Hemorragia digestiva que o matou em poucas horas. Última frase: “peçam desculpas às crianças”.
As férias existenciais acabavam. Trouxeram Marinho para ser velado no estádio do ABC. Puseram seu caixão num dos bares, urubulina providência. Dentro daquele paletó de madeira, imagino Marinho puto, querendo sair para o campo nem que fosse para sobrevoar de uma vez por todas.
Prometeram-lhe tudo. Depois de morto, bonança-padrão da terra que, intuitivamente, deixou para ser reconhecido no mundo. Jogou um ano para ser campeão no ABC em dueto delirante com o Rei Banto Alberi.
Jogou e é integrante do melhor Botafogo da História: Manga; Carlos Alberto Torres, Sebastião Leônidas, Nilton Santos(concedida improvisação) e Marinho Chagas; Gerson, Didi e Paulo Cézar Caju; Garrincha, Heleno de Freitas, Jairzinho e Amarildo. São 12, milionário é o passado alvinegro carioca.
Foi ao Fluminense, trocado por outros três craques de seleção brasileira: Rodrigues Beto, Gil e Paulo Cézar Caju. Foi ao Cosmos, de Nova York, constelação de proeminências do gabarito de Pelé, Chinaglia, Beckenbauer, Romerito, Seninho, Carlos Alberto Torres e Neeskens.
Voltou pelo São Paulo. Irreverente e livre, sua palavra-sinônimo, atacando no timaço de Getúlio, Oscar, Dario Pereyra, Renato Pé-Murcho e Zé Sérgio, posto que me recuso, incluir Serginho Chulapa, o obtuso, em tão nobre relação.
Decidiu passear por Bangu, Fortaleza e América de Natal, merchandising móvel do então candidato a deputado federal Flávio Rocha, dono do Grupo Riachuelo. Parou de jogar, sua cidade passou a lhe apedrejar: irresponsável, bêbado, drogado.
Enquanto Natal fustigava Marinho em sua incurável relação madrasta com filhos de destaque, Platini, Beckenbauer, Cruijff, gênios, se entendiam com ele, mandavam-no buscar para saraus durante Copas do Mundo.
Marinho não recebeu uma homenagem oficial em 2014, a amaldiçoada Copa das Arenas irrigadas de sujeira. Não viu nada, partiu antes, pela linha lateral ou em diagonal do tempo. Marinho nem queria festa artificial . Marinho viveu cada dia como se fosse o último. Ele sabia que era somente único.