Cristóvão Cavalcante - Memorialista mipibuense radicado no Rio de Janeiro/RJ

Nos anos 50, havia em São José de Mipibu uma linda moça chamada Lila. Era filha de 'Seu' José Ricardo, e estudava no Grupo Escolar Barão de Mipibu. Cheia de vida, energia e positividade, ela já mostrava sua irreverência e comportamento extrovertido, diferente das demais colegas de sala de aula.

Era comunicativa e, até 'avançada', para a época, tanto na maneira de se vestir, como no comportamento. Lila era injustamente estereotipada como excessivamente falante ou em busca de atenção. Mas ela, não estava nem aí para os comentários maldosos, ou até distorcidos, pelo seu modo de viver.

Seu grande desejo era ser uma artista conhecida, através dos veículos de comunicação, da época. 'Sonhava' vendo as fotos de lindas garotas nas páginas das revistas O Cruzeiro, Manchete, Revista do Rádio... que traziam reportagens e fotografias de artistas e vedetes (artistas que costumam aparecer em trajes chamativos e reveladores ao lado de dançarinos, mágicos, comediantes, malabaristas) que se apresentavam em palco de rádios (a televisão, ainda, não havia chegado ao Brasil), teatro, circo, etc.

Certo dia, chegou a São José de Mipibu um circo. Fazia sucesso de público. Lila procurou o proprietário e expôs seu desejo de se apresentar no espetáculo. Havia uma grande expectativa pela apresentação da jovem mipibuense. As cortinas se abre e Lila aparece no picadeiro (palco circular central) do circo, com roupas minúsculas e atraente para o público masculino.

A família circense tem um comportamento seletivo, já que o elenco geralmente é formado por membros da mesma família, e por se tratar de um ambiente familiar, exigia-se respeito e ordem e comportamento que não atentasse ao pudor. A apresentação de Lila não agradou os familiares do proprietário do circo e por isso, ela foi desligada do elenco, estragando o sonho em seguir uma carreira no circo.

Após essa apresentação, Lila ficou "falada" no meio da sociedade mipibuense. O fato foi um escândalo em São José de Mipibu, onde algumas famílias que pertenciam a uma sociedade tradicionalista buscava e prezava pela permanência de bons costumes e tradições.

Mas, o sonho de Lila em alçar voos mais altos, abraçando uma carreira artística não se acabou. Coloca em sua mala, 'sonhos' de poder chegar ao Rio de Janeiro, na época, capital do Brasil.

Com pouco recursos financeiro para viajar e se alimentar no decorrer da viagem, a mipibuense parte para a Cidade Maravilhosa. Naquele tempo, uma viagem entre o Nordeste e o Sudeste durava entre 15 a 20 dias, pela precariedade das estradas esburacadas, sem pavimentação e os péssimos meios de transportes. A maior parte desses transportes era pau-de-arara (um meio de transporte irregular que ainda é utilizado no Nordeste. Consiste em se adaptar caminhões para o transporte de passageiros, constituindo-se em substituto improvisado para os ônibus convencionais).

O Rio de Janeiro recebe mais uma nordestina, que sonhava com o glamour dos grandes artistas nacionais e estrangeiros, que apareciam nas praias famosas de Ipanema e Copacabana. Lila, adotou o nome artístico de Marly (talvez, por conta do cantor e compositor jamaicano, conhecido músico de reggae que fazia grande sucesso - Bob Marley).

A jovem que sonhava ser artista, se apresentando num lindo palco iluminado e com uma platéia aplaudindo, seguiu uma vida degradante. Sem estudo, despreparada e sem qualquer apoio, numa cidade estranha, lhe foi apresentada uma maneira de sobrevivência - a "vida fácil"-, que está muito longe de ser fácil. É como se caísse no fundo do poço, e a saída, só um milagre de Deus.

"Dama da noite, Secretária da beira do cais...", Lila foi residir, na Rua Pinto de Azevedo, realizadno atividades de prostituição na Zona do Mangue ('Vila Mimosa'). Chegou já tarimbada, com experiência nessa "vida fácil", que de fácil nada tem.

Seu voo tão sonhado foi decepcionante. Algum tempo depois, veio o declínio da vida. Apontar uma resposta para o motivo que a levou a prostituição, não dar para dizer, com certeza. Cada mulher que vira prostituta tem uma história, mas as razões convergem para pobreza, desemprego, formação precária, falta de oportunidade na vida...

Anos se passaram... já com a plástica desfavorável para uma "Dama da noite" se manter, pagar a cafetões e cafetinas, algumas vezes não conseguia mais fazer programas, nem por um prato de comida. Nessa vida de profissional do sexo, adquiriu outros vícios, entre eles, a bebida.

Logo veio a depressão, o arrependimento a saudades da terrinha. Certo dia tomou uma decisão: "- Vou voltar para minha terra, São José de Mipibu". Juntou umas economias e adquiriu uma passagem na Empresa Aviação Nossa Senhora Aparecida, regressando a Mipibu, para nunca mais voltar.

Atualmente, Lila vive só. Reside na 'Ponta da Negas', na Lagoa do Bonfim, em Nísia Floresta, após o falecimento de seu companheiro e o assassinato do filho, talvez mais feliz do que a vida que levava no Rio de Janeiro, naquele ambiente de sofrimento e dor, não dor física, mais dor da alma, frustrada por não ter conseguido realizar seus sonhos. 

A 'Marly' ainda vive em Lila Coqueiro, quando curte as noites enluaradas, num chão de estrelas, quando o luar invade seu casebre, confortando sua alma, longe daquele ambiente de seu passado.

Culpada? Talvez não. A vida de Lila poderia ter sido outra, se tivesse tido uma oportunidade, de transformar seu sonho de jovem, em realidade como àquelas lindas garotas das páginas das revistas que ela folheava e sonhava, um dia, ser uma delas.