Fragmentos de O CÉU DE CEARÁ-MIRIM (2ª edição revista e ampliada. Inédito)

novembro 3, 2024

Franklin Jorge – Jornalista e Escritor Nessa casa antes de taipa, adquirida e inteiramente reconstruida na segundo metade do século passado, Damião Jorge, formou essa família que me adotaria como o seu quinto filho; somente os três primeiros de sangue, Severina, Clóvis e Damião que seria meu amigo e contemporâneo no Colégio Comercial do Ceará-Mirim, […].

Franklin Jorge - Jornalista e Escritor

Nessa casa antes de taipa, adquirida e inteiramente reconstruida na segundo metade do século passado, Damião Jorge, formou essa família que me adotaria como o seu quinto filho; somente os três primeiros de sangue, Severina, Clóvis e Damião que seria meu amigo e contemporâneo no Colégio Comercial do Ceará-Mirim, ele já concluindo o curso e eu começando, após sofrer um trauma que mudaria para sempre o que fui e o curso de minha própria existência, como vim a entender anos depois

Damião era quase uma dezena de anos mais velho que eu, e dos filhos de seu pai e dona Liliosa. Era o único que continuava a tradição da família, num certo sentido, pois em vez de labutar a terra e cuidar do gado alheio tinha seus próprios animais e uma pequena vacaria em terreno que prolongava o quintal de sua casa, à Rua Meira e Sá, nº 222.

Dona Liliosa gostava de contar a história dessa família que começara em tempos imemoriais no Engenho Divisão e sua cercanias, no verde Vale de uma terra que se fizera famosa por sua riqueza e possuir em uma certa época, mais de cem engenhos de cana em atividade; uma terra tão rica que o Imperador distinguiram com um Baronato para enaltecer-lhe a denominação.

Pois bem, dizia, enxugando as mãos no avental e servindo à mesa o café que eu tornava por último, enquanto convalescia da caxumba que, por extravagância minha que descera os cinco ou seis degraus de acesso à casa, limpa e arejada.

De olhos caprinos que a singularizava, como a Ninfa que alimentara Zeus em uma caverna, às vezes eu dava a Dona Liliosa o nome de Almateia, nessa fase minha vida em que eu devorava a Literatura e a Mitologia grega com avidez insaciável e sofreguidão, tendo sempre uma caderneta onde anotava tudo o que me inspirava. Um desses insights que Baudelaire chamaria de Raios ou Relâmpagos.

Damião Jorge adquiriu essa casa. Mais um terreno do que uma casa, na verdade, em troca de serviços; em vez dinheiro vivo, difícil naqueles tempos, trabalhava alugado a se perder de vista. Era um homem moço, forte, disposto e trabalhador que desejava constituir uma família sem depender, abaixo de Deus, de ninguém mais. Com essa casa começou a sua própria vida...

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