Eu não vim para explicar, vim para confundir
Cefas Carvalho – Jornalista e Escritor (Texto publicado na Agência Saiba Mais) O título deste texto, como muita gente sabe, remete a um dos principais bordões criados e falados pelo lendário Abelardo Barbosa, o Chacrinha, maior comunicador da história da televisão brasileira, que marcou época com seu estilo irreverente e frases espirituosas.
Cefas Carvalho - Jornalista e Escritor (Texto publicado na Agência Saiba Mais)
O título deste texto, como muita gente sabe, remete a um dos principais bordões criados e falados pelo lendário Abelardo Barbosa, o Chacrinha, maior comunicador da história da televisão brasileira, que marcou época com seu estilo irreverente e frases espirituosas. A frase sempre me vem à mente quando vejo postagens, digamos, misteriosas de amigos e amigas nas redes sociais, principalmente o Facebook, que se tornou o terreno oficial do pessoal que passou dos “enta”, como se diz. Também me chama a atenção que candidatos a cargos políticos usem, intencionalmente ou não, esse artifício.
Por (de)formação profissional e vício de jornalista, tendo a deixar tudo bem explicado em minhas postagens, ou pelo menos tento e acredito que assim seja. Claro que ruídos na comunicação fazem parte do processo humano, eu mesmo falo de abacaxi e a pessoa entende abacate e depois vejo que o erro pode ter partido de mim. Mas há que se querer tornar a comunicação com o outro menos complicada, ou pelo menos possível.
Vamos aos internautas: usuários de redes sociais são bichos estranhos, gostam tanto de sinceridades dramáticas como de nuances e meios-termos. Tem gente que substitui a foto de perfil por uma imagem de tarja preta e o nome “luto”, indicando que alguém querido morreu. Muita gente, às vezes eu, pulo lá nos comentários ou no privado para saber quem partiu (se mãe, pai, primo, amigo próximo). Horas ou dias depois a pessoa responde que foi uma tia-avó distante.
E tem o pessoal das indiretas e ironias, esses adoram postar de manhã cedinho frases como “Não digo é nada” ou “Acham que eu sou besta, mas estou ligada!”. Sempre acho mais fácil e produtivo a pessoa resolver no privado com quem ela tem, algum tipo de imbróglio, até mesmo em ligação telefônica ou no velho olho no olho. Mas deve dar mais emoção entrar em atrito com as pessoas assim, publicamente e de maneira misteriosa. Vá entender.
Sobre essa vontade (ou necessidade) de tornar público um sentimento, sensação ou impressão, lembrei de quando o saudoso Carlão de Souza foi jurado, a convite meu e do também saudoso Pinto Júnior, do Concurso de poesias Zila Mamede. Na hora de explicar seus critérios de escolha ela disse que descartou de imediato as mensagens pessoais: “Porra, Cefas, poema para a avozinha querida? Se está com saudade da avó, liga ou vai na casa dela comer bolo”
Tem o departamento dos textões. Gente que escreve desabafos longuíssimos, alguns relevantes e que merecem leitura, claro, mas outros tão confusos que no final me pergunto o que a pessoa queria dizer. Tem os/as poetas e escritores/as que admiro e que postam textos que começo a ler como se fosse deles, e achando belo, até que no final vem o indicativo de que se trata de outra pessoa quem escreveu, Adélia Prado, Albert Camus, Simone de Beauvoir etc. Na minha modestíssima opinião, se postamos um texto alheio a autoria deve vir no começo, para orientar quem lê. Inventei de dizer isso a um escritor uma vez e levei um esculacho, que na timeline dele postava da forma que queria. recolhi-me à minha insignificância e agora olho na linha final para saber se o texto é do amigo/amiga ou alheio.
Mas já peguei demais no pé dos usuários de redes sociais. Vamos aos políticos agora. Faltando poucos dias para as eleições municipais, candidatos a prefeitos e vereadores investem pesado em propaganda nas mídias e redes e também na comunicação com o povo, digo, eleitores. Vale tudo. Da campanha convencional com carreatas, bandeiras e ‘santinhos’ até vídeos engraçadinhos de tik tok e até mesmo dramaturgia, com candidatos e candidatas encenando papéis como se em uma novela da Globo.
Porém, o problema não é a performatização da política, uma tendência dos nossos tempos. O problema é justamente que alguns candidatos querem confundir, não explicar. Quando um candidato afirma categoricamente que vai resolver problemas como Educação e Saúde, mais que confundir, ele mente de maneira desavergonhada. Porque um vereador não tem poder para gerir áreas complexas como as citadas. O papel de um vereador é formular leis, debater políticas públicas na Câmara e fiscalizar o poder executivo. Um vereador não tem poder nem recursos para adquirir uma cadeira para uma escola pública. Desconfie do candidato que promete fazer em vez de lutar.
Há casos mais graves, de extorsão eleitoral e fake news mesmo. Ou canalhice. Poderia citar dezenas de exemplos bizarros, mas me veio à mente postagem que li do influencer potiguar Ivan Baron criticando uma candidata a vereadora em uma cidade do Piauí que afirmou que o município está “empestado de autistas por culpa da água”. Antes delas, um candidato a prefeito no mesmo estado denunciou uma “pandemia de autismo” na região. Esses vieram para confundir mas deveriam ter as candidaturas cassadas. Confundir é uma coisa, mau caratismo, outra.