Erasmo grande. Erasmo enorme
Alex Medeiros [alexmedeiros1959@gmail.
Alex Medeiros [alexmedeiros1959@gmail.com ]
A cultura nacional está de luto, a MPB sofreu um duro golpe com a morte do cantor e compositor Erasmo Carlos, o eterno parceiro de Roberto Carlos que desde os anos 1960 produziu com o rei uma incrível discografia que influenciou diversas gerações a partir daquela que ambos comandaram e que foi chamada de Jovem Guarda.
Também em sua carreira solo, Erasmo compôs uma obra vasta com centenas de sucessos e milhões de discos vendidos, tendo ganhado muitos prêmios, alguns de alcance internacional, como o Grammy, e que na última edição, dias antes da sua morte, o premiou com o Melhor Álbum de Rock em Língua Portuguesa, justamente o disco “O Futuro Pertence à Jovem Guarda”, onde ele revisita o histórico movimento criado com Roberto a partir da influência que sua geração sofreu dos Beatles.
Sou um velho admirador de Erasmo desde minha infância, quando tive nele a primeira referência musical ao colecionar as figurinhas do chiclete Tremendão, que levava o seu apelido e oferecia uma coleção de cromos para completar as letras de algumas canções.
A primeira música que eu aprendi na vida, com uns 8 anos, foi A Pescaria, integrante do LP de mesmo nome lançado em 1965. Em 36 anos como colunista de jornal, por várias vezes escrevi sobre Erasmo e o movimento musical que consagrou sua geração.
Em junho passado, publiquei em homenagem ao seu aniversário de 81 anos uma crônica expondo sua carreira e sua importância na MPB, principalmente na condição de um dos pais do rock nacional, assim como foi Raul Seixas.
Eu digo que se Roberto Carlos foi a própria magia da era do Iê, Iê, Iê, Erasmo Carlos foi o bruxo. A parceria de ambos é a essência maior de toda uma era que deu ao Brasil inúmeros hinos geracionais, canções com o peso da formação cultural de um país gigante.
Aliás, ele próprio era chamado de Gigante Gentil, numa alusão ao seu tamanho físico e à fina e dócil estampa que ele foi durante a vida. Na sua extensa obra, há quase sempre a presença de uma ternura poética em harmonia com a pegada roqueira das melodias.
O amor é presença obrigatória nas canções de quem dizia já ter se apaixonado mais de mil vezes. Todas as mulheres que entraram e jamais saíram da sua história ganharam músicas de enaltecimento.
As muitas fãs dos anos de Jovem Guarda, e a posteriori, estão representadas nas incontáveis vezes em que ele inseriu no repertório os termos broto, brotinho, gatinha ou menina, todos usados na sua juventude.
Figuras que conviveram pessoal e contextualmente com ele se manifestaram tristes com sua morte. O velho amigo e camarada Roberto Carlos disse que “a dor é muito grande, nem sei como dizer tudo o que penso desse meu amigo querido... Meu ídolo por tudo, pela lealdade, inteligência, bondade”.
Outro rei, Pelé, afirmou que as canções do Tremendão sempre estiveram presentes em sua vida. “Sua música seguirá nos acompanhando para sempre. Vai em paz, meu amigo de fé”. E Wanderlea, cúmplice de geração, só conseguiu dizer “Meu amado amigo Erasmo”.
Rita Lee postou uma foto abraçada ao amigo e a homenagem, “Erasmo meu rock’n’roller favorito”. Gilberto Gil fez o mesmo, numa foto recebendo um beijo do grandão: “Nos deixou hoje este amigo de talento, gentileza e harmonia gigantes”.
Caetano Veloso, que fez para Erasmo o hit “De noite na cama”, conceituou a gênese do artista: “Junto a Roberto e Wanderléa, ele formou uma máquina potente de criação que sintonizou a música popular do Brasil com o espírito do mundo. Não haveria Tropicalismo sem eles”.
A morte de Erasmo Carlos, assim como a de Gal Costa há poucos dias, tem o peso de um sinal de fim de ciclo, a dolorosa importância histórica da conclusão de um período cultural que transformou e formou várias gerações.
Lembro que ele mesmo já pensava nisso há quase 40 anos, quando em 1985 subiu ao palco do primeiro Rock in Rio e pediu aplausos para aqueles ausentes que representavam o seu tempo do melhor do rock.
E diante da multidão citou Big Boy, Janis Joplin, Jimi Hendrix, John Lennon e Elvis Presley, cujas energias ele disse estar ali no meio. A música-tema do evento repetia “Se a vida começasse agora”. E eu ouvia aquilo em São Paulo, começando a vida de pai.
Erasmo me provoca uma mistura de saudades.