RAZÕES PARA ESCREVER
Nadja Lira – Jornalista • Pedagoga • Filósofa Escrevo porque há dias em que as palavras me chamam pelo nome.

Nadja Lira – Jornalista • Pedagoga • Filósofa
Escrevo porque há dias em que as palavras me chamam pelo nome. Elas se sentam ao meu lado, cruzam as pernas com intimidade e sussurram: “Vamos contar isso a alguém?”. E então, eu conto. E porque não sei calar diante daquilo que me inquieta, eu escrevo.
Porque o mundo grita em manchetes, e eu, cidadã com RG, CPF e boletos a pagar, ouço cada ruído como um chamado. Não sou especialista em política, mas quem disse que a indignação precisa de diploma? Escrevo porque me recuso a ser espectadora muda do espetáculo que encenam diante dos meus olhos.
Escrevo porque sou feita de afetos e, às vezes, de cacos. E quando a vida me quebra, coleciono os estilhaços e com eles monto um texto. Há quem colecione selos, chaveiros... Eu coleciono cenas. Algumas vistas através da janela do meu carro, outras atravessadas no peito. Minhas crônicas nascem de um olhar perdido na rua, de um café mal coado, de uma lágrima escondida, ou de um riso que escapou sem querer.
Às vezes sou personagem das minhas próprias histórias, às vezes sou apenas narradora. Às vezes escrevo chorando, outras vezes gargalhando - mas escrevo. Porque é assim que dou sentido ao que vivo. Escrevo para não adoecer de silêncio, para não me engasgar com palavras não ditas e para não me perder dentro de mim.

“Escrever é uma forma de terapia. “Às vezes me pergunto como todos aqueles que não escrevem, compõem ou pintam conseguem escapar da loucura, da melancolia, do pânico e do medo inerentes à condição humana.” Essa frase de Graham Greene me atravessa como um espelho. Talvez eu escreva também por isso: para não enlouquecer diante do absurdo que, vez ou outra, se disfarça de cotidiano.
Invento histórias porque a realidade, coitada, anda cansada. E é preciso emprestar a ela um pouco de cor e poesia. Um ponto a mais, uma vírgula onde não devia haver pausa. Faço isso por mim, claro. Mas também por quem lê - e viaja comigo, mesmo que seja só até a próxima linha.
Escrevo porque, no fundo, sou uma romântica incurável. Daquelas que acreditam no amor, mesmo depois das decepções. Daquelas que choram com filmes bobos e que ainda guardam cartas do primeiro namorado. Escrevo porque há sentimentos que não cabem em mim. E então, derramam-se em versos.
Nietzsche dizia que “escrever com sangue” era o que tornava um texto verdadeiro. E eu entendo o que ele quis dizer. As palavras que mais tocam, são aquelas que foram escritas a partir de uma ferida - ainda que cicatrizada. Talvez seja por isso que meus textos, mesmo os mais leves, carreguem uma sombra de dor ou de memória.
A escrita é minha casa. Meu lugar de cura. Meu espelho. Meu desabafo. Minha ponte para o outro. É o que faço quando não sei o que fazer com o que sinto. Escrevo porque não sei ser de outro jeito. Porque, para mim, escrever não é escolha. É necessidade. É respiro. É vida.

Simone de Beauvoir escreveu certa vez: “Escrever é um ato de orgulho.” E talvez seja. Mas é também um ato de humildade. Quando escrevo, coloco no papel minhas fraquezas, dúvidas e medos. Escrevo para me entender - e, quem sabe, permitir que alguém também se entenda ao me ler.
Escrever me salva todos os dias um pouco. Quando o mundo pesa, quando a alma cansa, quando a rotina me engole, a escrita é o fio que me resgata da escuridão. É minha luz de emergência. Minha oração mais honesta.
Franz Kafka dizia que um bom livro deve ser “o machado que quebra o mar de gelo dentro de nós”. Talvez a escrita faça o mesmo. Quando escrevo, quebro minhas próprias camadas. Abro caminhos onde antes havia silêncio. E descubro, nesse processo, novos pedaços de mim.
Escrevo também para lembrar quem eu sou. No corre-corre da vida, entre compromissos, entre contas a pagar e as compras no supermercado, às vezes me perco de mim. Mas as palavras me puxam de volta. São como mãos amigas dizendo: “Ei, você ainda está aqui”.
Escrevo, enfim, porque amo. Amo a vida, mesmo com seus tropeços. Amo as pessoas, com suas manias e suas falhas. Amo esse mundo estranho e lindo onde tudo vira história. E porque amar, às vezes, não basta. É preciso escrever sobre o amor para que ele dure mais que um instante.

