ASSIS MARINHO

novembro 6, 2022

Nilo Emerenciano – Arquiteto e escritor “Se alguém quiser fazer por mim/que faça agora.

Nilo Emerenciano - Arquiteto e escritor

Se alguém quiser fazer por mim/que faça agora.” (Quando eu me chamar saudade – Nelson Cavaquinho/Guilherme de Brito)

Conheci o artista plástico Assis Marinho quando ele morava junto com o diretor de teatro Jaime Lúcio Figueiredo, Marcelo Fernandes, que dava os primeiros passos nos seus desenhos a giz de cera e Carlão, ator e funcionário da TV-U, em uma casa ali, próximo ao baldo. Saíamos, eu e o arquiteto Vicente Vitoriano, do nosso escritório de arquitetura e íamos até lá para tomar um café, ouvir boas músicas (Jaime tinha uma vitrola chamada Maria Callas), falar sobre teatro e literatura.

Ali começou a se formar o grupo musical Gato Lúdico. A casa era frequentada por uma tribo de artistas e intelectuais. Assis desenhava bastante, além de se arriscar pelas aquarelas. Começara a desenhar garoto, usando tudo que lhe caia nas mãos, de carvão a giz de cera.

Fiquei lisonjeado quando ele me convidou para apresentar a sua exposição de desenhos, ainda mais que estaria acompanhado na tarefa por Luís Carlos Guimarães e Deífilo Gurgel, ambas pessoas queridas e que hoje devem manter boas prosas no céu dos poetas e dos folcloristas. Por essa época Assis desenhava crianças meio fantasmagóricas, homens e mulheres de grandes e aflitos olhos. Usava tons escuros, o que tornava ainda mais pungentes os seus desenhos.

Às vezes representava violeiros, sanfoneiros, pessoas dançando ou trabalhando, pescadores em seu ofício. Na maioria das vezes suas figuras nos olhavam ao tempo em que procurávamos vê-las. Criaturas mudas, num silêncio ensurdecedor. Outra presença constante era são Francisco, o pobre de Assis, talvez por ser o santo do seu nome.

Depois perdi o seu contato, mas sempre via os seus trabalhos nas salas das clinicas, escritórios ou repartições públicas, uma presença quase obrigatória.

Pois bem, Assis Marinho nos primeiros meses deste ano sofreu uma grave crise e precisou de internação e tratamento. E é nesses momentos que se revela a fragilidade da situação dos artistas locais, que em alguns casos, doentes, não podem dar continuidade ao seu trabalho, única fonte de renda.

Romildo Soares, poeta, cantor e compositor dos melhores, morreu há alguns dias numa calçada da centro da cidade onde vivia em situação precária de morador de rua, dependendo da caridade alheia. Lembro dele em começo de carreira cantando na Bodega da Praça, do nosso amigo Zé, na Vila de Ponta Negra. Ali se apresentavam Carlinhos Moreno, Sueldo, Geraldinho Carvalho, Cleudo e outros artistas em noites memoráveis naquele clima libertário da Bodega. Me chamou a atenção pelo seu papo, sua cara e jeito de pessoa do bem, com certeza.

Romildo Soares- Tribuna do Norte

Lamentei, não a sua morte, que é parte de nossas vidas, mas a maneira como a coisa aconteceu. Um olhar mais acurado vai nos revelar muitos artistas e artesãos populares do nosso estado que vivem em situação de penúria. Romildo foi velado no salão da Pinacoteca do Estado. A Fundação José Augusto emitiu nota de pesar chamando-o de “um dos grandes nomes da música do Rio Grande do Norte.” Reconhecimento tardio ao seu talento e importância.

Não sei se existe, mas sugiro a criação e constante atualização de um cadastro dos nossos artistas e artesãos. Desde mestres de bois-de-reis, congos, violeiros e poetas de cordel, o pessoal que faz teatro de rua e contação de histórias, mamulengueiros, mestres da cerâmica, até os sanfoneiros e a turma que heroicamente mantém o carnaval vivo. Não só o cadastro, mas a identificação das necessidades de cada um deles. Muitas vezes é suficiente um espaço para ensaios, uma verba para adereços e instrumentos, uma orientação para manutenção de seus ofícios, a organização de feiras onde eles possam vender sua produção livre de intermediários sempre leoninos. Muitas ideias podem surgir a partir de uma vontade verdadeira de ação.

Transcrevo aqui a apresentação que fiz dos trabalhos de Assis em 1980, ano em que ele havia ganhado o prêmio Newton Navarro de pintura da FJA. Mantenho tudo que disse na ocasião:

“É bem difícil em artes plásticas, por paradoxal que pareça, se atingir a perfeita simplicidade. Poucos são os que resistem à tentação do desbunde estético/formal, e ao fazê-lo nem sempre são bem sucedidos. Assis Marinho pertence ao restrito grupo que o consegue, e nisso talvez resida sua maior virtude: alcança o simples com uma facilidade que chega a enganar, porque por trás desse despojamento está o apuro técnico, a precisão nervosa do traço, o correto uso dos espaços. E que não se confunda despojamento com ingenuidade. Longe disso. As pessoas que Assis coloca à nossa frente por pacíficas, agridem; por perplexas, esclarecem; por inertes, levam à ação. Todas elas, homens, mulheres, famílias inteiras, às vezes; as vezes meninas em meio a uma terrível solidão; são como testemunhas que se erguem em um ato acusatório, a nos lembrar fatos que muitos gostariam de ver esquecidos. E não é só isso. O desprezo a que o artista relega as usuais fórmulas fáceis tem como consequência imediata (e feliz) a ressurreição do belo, há muito ausente das nossas galerias.  

Assis Marinho se sobressai em meio ao mundo artístico da cidade com sua arte acentuadamente pessoal. Um trabalho que marca profundamente, que “mexe” com os que com ele têm contato. E não será essa a função maior do artista?”

2 respostas para “ASSIS MARINHO”

  1. Elizabete disse:

    Bela homenagem aos artistas e em especial a Assis Marinho. Vou divulgar para que chegue ao conhecimento da Governadora para ver sua sugestão é quem sabe, acatar. Viva aos artistas , que amam o que fazem e não nos deixam órfãos. 👏👏👏👏

  2. Valdeci de Oliveira disse:

    Assis e Romildo figuras que conheci ao frequentar o Beco da Lama (centro de Natal) e adjacências, mais precisamente no Bar de Nazaré. Assis, não o vejo algum tempo. Tenho uma obra sua feita quando nos encontramos no Bardallos, estávamos eu e minha esposa naquelas tardes de sábado numa caminhada etílica cultural, que gostávamos de fazer e lá estava Assis. Veio conversar conosco e durante o papo ele fez um desenho e nos presenteou. Romildo, até agora ainda não me acostumei com sua partida. Ele sempre me procurava no trabalho (trabalho no centro da cidade) ou nos encontrávamos pelas ruas da Cidade Alta. Sempre que nos encontrávamos batíamos um bom papo. Algumas vezes me pedia grana para refeições e/ou para comprar cadernos e lápis para escrever suas poesias. A última vez que nos vimos foi uma semana antes de sua partida. Ele estava feliz por ter encontrado vários amigos num show beneficente para Pedrinho Mendes, no Porão das Artes. Assis e Romildo, dois artistas importantes para as Artes do RN, com trabalhos relevantes. Todo esse relato é para dizer que concordo plenamente o autor do texto quanto a falta de reconhecimento dos artistas de Natal e do RN e que tal postura tem que mudar urgentemente.