AS MULHERES QUE VIVEM EM MIM

junho 15, 2025

Nadja Lira – Jornalista • Pedagoga • Filósofa Há em mim quatro mulheres, e nenhuma delas grita para calar a outra.

Nadja Lira – Jornalista • Pedagoga • Filósofa

Há em mim quatro mulheres, e nenhuma delas grita para calar a outra. Elas vivem em harmonia, como se tivessem feito um pacto silencioso: caminhar juntas lado a lado, para alcançar o que muitos buscam, mas poucos sustentam - a felicidade.

A primeira delas escreve. Observa o mundo com olhos aguçados, ouvidos atentos, e mãos que não descansam enquanto houver algo a ser dito. Ela não suporta a mentira, desdenha do silêncio covarde e sente a dor da injustiça como se lhe atravessasse a pele. É a jornalista, que sabe que a verdade não é confortável, mas é necessária como o ar. Ela quer transformar o mundo através daquilo que escreve.

A segunda, a professora que ensina. Está cansada, não por preguiça, mas por amor. Há 20 anos semeia em solo árido, esperando que uma ou outra semente floresça. Ela chora pelos que não aprendem e pelos que não querem aprender. Mas ainda assim, vai à sala de aula todos os dias com fé, como quem entra num templo. Ela acredita na capacidade transformadora do seu trabalho.

A terceira é questionadora. Ela vive filosofando. Caminha pelas trilhas do pensamento como quem caminha por um campo aberto - livre. Já chorou pelos abismos da existência, já sorriu diante de contradições, já abraçou dúvidas como quem abraça velhos amigos. Ela não teme o desconhecido, porque sabe que é ali que mora o crescimento. Ela vive uma busca incansável.

A quarta é a mulher que ora. Ela também lê, contempla, silencia, clama. Ama a Palavra como quem ama a própria vida. Crê que há um Deus que governa o caos com mãos ternas e olhos justos. E, mesmo quando tudo parece sem sentido, ela não desiste, pois sua fé não é feita de certezas fáceis, mas de entrega. Ela adora o Criador e sua Criação.

Estas quatro mulheres caminham dentro de mim e, às vezes uma fala mais alto, às vezes, uma delas se recolhe, mas nunca estão em guerra. São facetas de uma alma que aprendeu que viver é se dividir em muitas para, no fim, ser inteira.

Além delas, há um jardim. Nele cultivo bons pensamentos, ouço músicas que elevam, fotografo o instante para torná-lo eterno, aprendo idiomas como quem dança com o mundo. Não me alimento de mágoas: prefiro o pão leve da generosidade e do perdão. Estas virtudes são um exercício diário.

Sou muitas. Sou uma. E quero, acima de tudo, ser feliz - como quem honra a vida que Deus me deu com gratidão, propósito e amor, porque uma vida sem amor não vale à pena. Ela se torna árida, triste, sem sentido.

Às vezes, as quatro se sentam juntas diante do espelho. Não para julgar os traços do rosto, mas para contemplar o tempo que passou e o que ainda virá. Conversam em silêncio, com olhares cúmplices e memórias partilhadas. Cada ruga, cada cicatriz, cada marca é uma história - não de fraqueza, mas de caminho trilhado. E nesse reflexo múltiplo, descobrem que a beleza não está em apagar as marcas, mas em iluminá-las com orgulho.

Elas também erram e sabem disso. Já se calaram quando deviam ter falado e já falaram demais quando o silêncio teria sido mais sábio. Mas não se punem com dureza: aprendem com seus erros. O erro, para elas, é semente - dolorosa, sim, mas fértil. Porque cada falha que enfrentam com coragem se torna adubo para a mulher que ainda estão se tornando. E isso é liberdade: Elas não se deixam aprisionar nem ao passado, nem a uma ideia fixa de perfeição.

Entre elas há riso demasiados. E isso talvez seja o que mais as une. Riem de si mesmas, das ironias da vida, dos desencontros que depois se revelam acertos disfarçados. Não se levam tão a sério a ponto de esquecer que leveza também é resistência. Porque ser mulher — ser essas quatro mulheres — exige força, mas exige também a delicadeza de quem sabe transformar dor em poesia, rotina em arte, e o ordinário em sagrado.

E quando a noite chega, cada uma delas encontra seu canto dentro de mim. A que escreve sonha com palavras novas. A que ensina repousa com esperança renovada. A que questiona se perde procurando algo nas estrelas. A que ora entrega o dia nas mãos de Deus. Juntas, silenciosas e plenas, me embalam — não para o sono da fuga, mas para o descanso de quem viveu com verdade. E assim, no compasso destas quatro mulheres, eu me encontro e sigo inteira.

Uma resposta para “AS MULHERES QUE VIVEM EM MIM”

  1. Carlim d'Bee disse:

    Bravo amiga, que retrato lindo, belo dissertar desse quarteto, cálido e singelo. PARABÉNS!

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