ARTIGO: Os Ministros Ordenados e as Mídias Sociais

julho 21, 2021

Pe.

Pe. Matias Soares

A Igreja é uma das grandes comunicadoras da civilização; ou talvez, a maior delas. A fonte e o meio da sua ação é a Palavra (cf. Jo 1,1-3.14). Essa base de sustentação ela recebeu da tradição semítica. Enquanto a acolhida do patrocínio da razão é dos gregos, a do judaico é a palavra. O evangelista João, nas suas preocupações de purificar as constituições cristãs da ‘gnose’, utilizou bem a ideia do (λόγος) como ‘palavra, razão’, mesmo que na sua concepção original esteja a ideia judaica da palavra como força criadora de Deus. A teologia na contemporaneidade, especificamente com o teólogo católico Karl Rahner, assinalou o ser humano como ‘ouvinte da palavra’; ou seja, como aquele que, transcendentalmente, é capaz de acolher a Palavra. É a ‘Capax Dei’! (Teologia Patrística).

Essa situação antropológica e teológica da condição humana o torna extremamente responsável pelo que ele é chamado a fazer e a como usar a ‘palavra’; como, outrossim, os meios de transmiti-la. A nova ordem sistêmica na pós-modernidade, com seu admirável mundo novo, potencializou, com o surgimento e o fortalecimento das mídias sociais, as quantidades de mecanismos comunicacionais. A questão posta a todos está contida no ‘ethos’, ou seja, no modo de usá-las, na sua densidade, com relação às pessoas entre si. O que está em jogo é a dignidade das pessoas, a estabilidade das instituições, a transmissão da verdade, os sistemas políticos, como a própria democracia, o ordenamento social e o bem-estar de todos os cidadãos.

A Igreja foi sensível à necessidade destas ‘Novas Maravilhas’ (cf. Vat. II, Inter Mirifica) para a sua eficiente e eficaz ação evangelizadora. Essa, por sua vez, é justamente o anúncio do Evangelho. Podemos pensar que a amplificação dos meios de comunicação, com as específicas ‘mídias sociais’, é a grande revolução transformadora das estruturas desta Nova Era, que estávamos vivendo antes da pandemia, e que proporcionaram fenômenos pró e contra a dignidade da pessoa humana nestes tempos sombrios em que as crises sanitárias, econômicas, políticas, ecológicas e existenciais afrontaram profundamente à ecologia integral, da qual o ser humano é o seu centro (cf. PP Fco, LS, cap. IV).

Os cidadãos e os cristãos, na sua totalidade, são chamados a considerar seriamente estes fatos sociais. Nesta reflexão, a nossa preocupação volta-se para os ministros ordenados, pontualmente, e o modo como os mesmos estão a manusear as ferramentas. No cap. IV, cân. 666, sobre as obrigações e direitos dos institutos e de seus membros, no que concerne aos religiosos, o Código de Direito Canônico preceitua o seguinte: “No uso dos meios de comunicação social, observe-se a necessária discrição e evite-se o que é prejudicial à própria vocação e perigoso para a castidade de uma pessoa consagrada”. Os consagrados devem ser ‘discretos e não alimentem paixões desordenadas’ com o desequilibrado manuseio destes objetos.

Na atualidade, muitos problemas têm surgido em várias partes do mundo envolvendo religiosos que, marcados pela solidão, transtornos psicológicos, desvios de conduta e despreparo técnico, sofrem e causam muitos danos à Igreja e a outras pessoas; inclusive a menores de idade, que ficam marcados pela degradante postura daqueles que são chamados a ser cuidadores, e não predadores. No Ano Sacerdotal, promulgado pelo então Papa Bento XVI, a Igreja foi provocada por vários escândalos que foram noticiados em todo o mundo acerca de casos de pedofilia do passado e do presente, que mancharam e denigrem a face materna da Igreja, que infelizmente carrega no seu seio ‘alguns’ criminosos e desequilibrados, que se camuflam dentro dela para esconder e perpetrar delinquências desta natureza.

A direção dada pela Igreja sobre o reto uso dos meios de comunicação está sinteticamente apresentada, mais uma vez no Código de Direito Canônico, que no título IV, cânones 822 - §1, §2, §3 ; 823 - §1, tipifica o seguinte:

“ - Os pastores da Igreja, no cumprimento do seu ofício, usando o direito próprio da Igreja, procurem utilizar os meios de comunicação social;

- Cuidem os pastores de instruir os fiéis a respeito da obrigação que têm de cooperar para que o uso dos meios de comunicação social seja vivificado pelo espírito humano e cristão;

- Todos os fiéis, principalmente os que de algum modo participam da organização e uso desses meios, sejam solícitos em colaborar com a atividade pastoral, a fim de que a Igreja possa exercer com eficácia o seu múnus, também através desses meios;

- Para garantir a integridade das verdades da fé e dos costumes, é dever e direito dos pastores da Igreja vigiar para que os escritos ou uso dos meios de comunicação social não tragam prejuízo à fé ou à moral dos fiéis, exigir que sejam submetidos ao seu juízo os escritos sobre a fé e costumes a serem publicados pelos fiéis, como ainda reprovar os escritos que sejam nocivos à verdadeira fé e aos bons costumes”.

O que temos nestas declinações é que todos os ministros ordenados - como também os demais membros do povo de Deus - são interpelados a usar estes canais para a evangelização. A outra constatação que se nos é imposta é que o façamos de modo consciente e responsável: não só para o nosso próprio bem, como também, para não escandalizarmos a fé e os bons costumes dos fiéis e demais membros da sociedade. Infelizmente, com a midiatização da vida pessoal e social - e o ministro ordenado tem que ser interpretado nesta situação concreta -, se tornou trivial acompanharmos uma constante e instantânea exposição de alguns ministros ordenados, com tendências narcisistas e profundos sinais de vazios existenciais. Alguns se esquecem completamente a sua dignidade e o que são chamados a testemunhar.

Nesta fase da pandemia a Igreja teve que à duras penas entender que tem que adentrar nesta problemática; tanto para que a sua missão de sacramento do Reino de Deus seja aprimorada, mas ainda no investimento da formação humana e técnica dos ministros ordenados, para que o seu modus operandis nas mídias sociais não seja danoso à sua tarefa evangelizadora, nem prejudicial à sua própria vida e identidade, ou ainda a dos demais indivíduos da comunidade eclesial. O tema não pode ser tratado com medo, e sim com parresia. A verdade não causa danos à Igreja. O que faz mal é a omissão e o relaxamento das medidas necessárias para que o bem, a verdade e a justiça possam acontecer, a fim de que todos sejam beneficiados, inclusive quem é desequilibrado na condução das suas atitudes.

Os problemas estão sendo vistos desde a ação litúrgica até os relacionamentos afetivos e emocionais destes nossos irmãos. O drama é profundo. Nada do que é humano pode nos ser estranho. Contudo, o laxismo e a conivência com tais confusões comportamentais não podem ser tolerados em nome de uma ‘teologia da misericórdia’ que não condiz com o genuíno patrimônio espiritual e epistemológico da Igreja, que vincula a caridade à sua companheira inseparável, que é a justiça. Sem esquecer que a problemática do manuseio desordenado das mídias sociais se tornou uma questão de saúde pública. Há ministros ordenados atualmente que são viciados em mídias sociais. Muitos passam os seus dias atrelados aos celulares e computadores, nem sempre com a intenção de evangelizar.

Enfim, o Papa Francisco proferiu um discurso aos sacerdotes do Colégio de São Luís dos Franceses, em Roma (cf. PP Fco, 07/06/21), no qual tratou das ‘fragilidades dos presbíteros como lugar teológico’. Na Era Digital e com as sequelas existenciais e conjunturais deixadas pela pandemia e o pós-pandemia, a Igreja e, ainda mais, nós, os próprios ministros ordenados, estamos sendo instigados a saber que sinais de esperança ‘somos’ para as pessoas neste momento crítico da história da humanidade. A nossa dignidade, a nossa responsabilidade, a preocupação com a nossa formação permanente, o bem da nossa Igreja, que é Mãe e Mestra, as nossas ocupações e o discernimento que somos chamados a fazer cotidianamente, para que o nosso lugar, no tempo e no espaço, não seja motivo de ridicularização, nem de escândalo para o povo de Deus que nos foi confiado, têm que ser levados a sério, principalmente quando usamos os meios de comunicação social. Assim o seja!

Pároco da paróquia de S. Afonso M. de Ligório/Natal-RN

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