Andanças no Mercado de São José de Mipibu
Gutenberg Costa – Pedagogo, Bacharel em Direito, Folclorista e escritor.
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Gutenberg Costa – Pedagogo, Bacharel em Direito, Folclorista e escritor.
Quando chego a uma cidade interiorana, visito logo três lugares de minha preferência. A sua antiga Igreja Católica, clamando a Deus para que os padres a tenha deixado sem as costumeiras reformas modernistas que criminosamente só as descaracterizam para a nossa história. As tradicionais feiras e mercados, como símbolos de comércio popular, onde se vende de tudo que se imagina e muito mais: corrente pra cobra e chocalho pra sapo...
Pois bem, visitei pela primeira vez o então mercado de São José de Mipibu há várias décadas passadas, em companhia do saudoso mestre folclorista Deífilo Gurgel e do amigo Severino Vicente. Isso depois da visita que fizemos a grande artista do barro da região, dona Marta Job. E como todo amante da cultura popular faz, fomos a pé conversando com o povo no caminho. E aqui faço o justo registro, que desde algum tempo, tanto Deífilo como dona Marta, estão no céu conversando sobre artesanato e folclore! E não dizem que o paraíso é habitado pelos simples, humildes e alegres?
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No citado mercado existem quatros pontos que vendem refeições, mas tenho preferência pelo comércio de dona Gesilda Correia. Chego sempre cedo para assegurar um tamborete desocupado e faço meu pedido gastronômico tradicional do carneiro torrado com cuscuz acompanhado de café com leite. Já ouvi em um mercado interiorano o seguinte oferecimento de uma dona de uma banca: “O senhor vai querer carne de criação, feijão de corda com farofa de milho e um pingado?”. Quem anda nessas peregrinações tem que saber imediatamente traduzir que a carne de criação, se trata de carne de carneiro. O feijão de corda é o feijão macassar. Farofa de milho é o nosso cuscuz e o pingado nada mais é do que o café misturado com leite.
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São nos mercados que eu encontro as pessoas mais honestas e generosas do mundo. Capazes de achar dinheiro e devolverem de imediato filosofando: “Só quero o que é meu!”. Dividem o que estão comendo com os famintos ou pagam dos que estão ao seu redor pedindo. Mortalha não tem bolso! Um dia, uma amiga muito requintada indagou-me se eu ainda não havia visto sujeira em algum prato servido nos mercados que visito? Respondi-lhe com um sincero exemplo e convocando duas testemunhas: Nunca vi um fio de cabelo. O que eu vi foi uma lagarta em uma salada caríssima. Estava em companhia de minhas duas filhas em um restaurante luxuoso de um shopping. A gerente e a garçonete pediram-me desculpas amarelas, dizendo ter ocorrido apenas um trágico ‘lapso’ dos mestres cozinheiros.
As vendedoras de mercados, até parecem viver as regras da saudosa dona Maria Estela: “São pobres, mas são limpinhos!”. Quando ouço anunciados preços altos, sempre respondo com bom humor: Minha mulher nem tá desejando e nem tá buchuda! Na minha frente, nunca fui chamado de ‘amarrado’, mas com certeza, dizem nas minhas costas: Esse homem chora que só bode embarcado...
Mudando de pau pra cacete, voltemos ao mercado de São José de Mipibu, que foi inaugurado em 1939, com o nome de “Pedro Coelho da Silva”. Local que tenho boas amizades e até sentem minha falta quando lá demoro voltar: “O senhor adoeceu ou acertou na mega sena?”. Ficam nas lembranças as engraçadas prosas e conversas com os vendedores e vendedoras. As fofocas ouvidas e anotadas. Os apelidos chamados: Cara de caneca amassada. Tamborete de forró. Maria Beiçola... Não escapam de anedotas os santos e nem muito menos o presidente da República.
As gírias e as histórias de vida que inspirariam os maiores e melhores romancistas, contistas e cronistas que ainda estão escapando desse famigerado ‘Corona Vírus’. E eu que sou confesso seguidor da velha filosofia do curioso estradeiro penso estar certo andar ao anotar o que tanto vejo e escuto: “Cobra que não anda, não engole sapo!”. E é nesse dito chão sagrado de gente boa, que sempre encontro com amigos e amigas de todos os recantos do RN. Como se diz ‘dou de cara’ ali com fulana e Beltrano. Um deles é o amigo jornalista quixotesco José Alves, com seu fiel escudeiro – O Alerta. Nem precisa dizer-lhes que o irrequieto Dedé do Alerta ganha de mim em coragem e teimosia...
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Em um sábado desses, tomando meu pacientemente café, ouvi do meu lado um lamento e ao mesmo tempo uma vingança amorosa de uma mulher desabafando com outra amiga: “Aquele safado pensava que ia me enganar por muito tempo. Eu que dei um canto de carroceria nele que o desgraçado anda tonto até hoje. Amiga, comigo é assim - passou, leva também!”. Saí de perto meio contrito e dando gargalhadas, pensando no que o Nelson Rodrigues não escreveria, dando mais imaginação nessas histórias descritas e vivenciadas!
O meu açougueiro é o risonho ‘seu’ Paulo Alves Sobrinho: “Aqui o senhor leva com dinheiro ou sem dinheiro. Com chuva ou com sol...”. Eu e o Paulo ainda somos daquele tempo em que havia amizade e confiança na humanidade. Que fiado era anotado em caderno e que farinha era vendida em cuia. Quem da minha idade não chegou a ouvir nos balcões dos bodegueiros? “Despache-me uma quarta de café e anote aí”. Tempos sem internet e maquininha de cartão. Saímos de casa assombrados, não com as benditas almas, mas com as novas tecnologias do ‘mal’ do século XXI. Palavra empenhada até a morte: Tiro e queda. Prego batido, ponta virada...
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Na minha volta, tomo o delicioso suco de mangaba no ponto de ‘seu’ João na rodoviária. Pelo andar da carruagem, daqui a pouco tudo do século XX vai para o museu, inclusive eu! Falou do mal, prepare o pau: Isto me faz lembrar o saudoso amigo folclorista paraibano José Cavalcanti, quando o visitava e perguntava-lhe sobre sua saúde e vida: “Meu velho amigo Gutenberg Costa, estou como peça de museu. Tudo no lugar, mas quase nada funcionando!”. E para dar o laço final nessa conversa muito comprida, faço uso das despedidas no ‘zap’ do ilustre amigo e contista Nilo Emerenciano: Amigo, essa sua conversa de miolo de pote dá muito pano para as mangas!
Texto publicado em 26 de julho de 2020
Maravilha!!! Como tudo que nosso amigo Gutenberg Costa escreve. Às vezes esqueço até a panela de feijão no fogo quando estou “embebida” lendo suas escritas. Obrigada por você existir e escrever assim com esse gostinho de “quero mais”.
É como sempre eu bisbilhotando encontro essas pérolas,e lá vou eu lendo tudo. Um abraço meu confrade Gutenberg Costa