Amor eterno. Ou não.

outubro 20, 2024

Cefas Carvalho – Jornalista e Escritor (Texto publicado no Portal Saiba Mais) Por coincidência (ou não, pode ser tendência) no espaço de uma semana li no Facebook e no Instagram relatos de três amigos, que moram em estados distintos, têm idades diferentes e não se conhecem, sobre o mesmo assunto: vontade de encontrar uma namorada, […].


Cefas Carvalho - Jornalista e Escritor (Texto publicado no Portal Saiba Mais)

Por coincidência (ou não, pode ser tendência) no espaço de uma semana li no Facebook e no Instagram relatos de três amigos, que moram em estados distintos, têm idades diferentes e não se conhecem, sobre o mesmo assunto: vontade de encontrar uma namorada, uma parceira passa viver momentos românticos, viver junto e experimentar (palavras deles, não minhas) um amor eterno.

Isso chamou minha atenção. Em muitos meios, os tempos atuais são vistos como cínicos e de afetos descartáveis. Tempos de amores líquidos, como diria Bauman. O que o mestre Zygmunt não contava é que parcela surpreendentemente considerável dos homens mantém motivações românticas, mais dispostos a viver uma história de amor que acabe com casamento e final feliz, digamos, do que as dores e delícias da modernidade líquida.

Mas aí é que mora o perigo. Na verdade, vários perigos, além de complexidades, que o amor é bicho esquisito e cheio de nuances. É que as mulheres, ao contrário destes homens românticos, parecem estar no caminho oposto. Apesar das desigualdades ainda serem imensas e do patriarcado histórico ainda imperarem, o fato é que a mulher encontrou e consolidou seu espaço no mercado de trabalho, na política e esferas diversas de poder, ao contrário do que era possível ou mesmo imaginável para muitas das mães delas e para quase totalidade de suas avós e bisavós.

Daí atualmente muitas mulheres priorizarem carreira e projetos do que, digamos, encontrar um príncipe encantado. O perigo, no caso, é que para essas mulheres, a ideia de uma relação convencional (embutida na ideia romântica do que seria um amor e um casamento para o imaginário masculino) não funciona mais. 

Trocando em miúdos, homens românticos querem uma coisa, mulheres românticas desejam outra. Da mesma forma que vejo um fosso geracional, devido à nostalgia dos cinquentões não entenderem a dinâmica tecnológica e social dos filhos, também vejo um fosso em relação a gênero: homens que querem um grande amor, mas com casamento tradicional e ao molde dos seriados americanos dos anos 1960 e mulheres que também querem um amor, ou ao menos uma relação sólida bacana, mas adequada à vida dinâmica dela e conectada a novas possibilidades.

Ainda sobre amigos, noite dessas, encontrei um deles, um pouco mais novo que eu, que revelou estar casado novamente. No meio do papo, disparou: “É que não consigo viver sozinho”. Neste caso, também experimentado por outros amigos e conhecidos, a ideia de uma relação passa necessariamente pelo conceito da esposa-empregada, responsável pela casa.

No caso dos amigos mais românticos, que sonham com um amor ideal, a relação advinda deste amor perpassa, pelo que percebo, situações “românticas”, como chegar em casa e a mulher recebe-los com um jantar especial, ou o homem levar dezenas de buquês de flores. No primeiro caso um machismo inerente (a esposa como cozinheira), no segundo uma idealização (que toda mulher gosta de flores e que recebê-las a fará automaticamente feliz). 

Há complexidades ainda para além das questões de gênero. Uma delas, talvez a principal, é a ideia, ao meu ver equivocada, que o amor é uma eletricidade, uma tijolada na cabeça, como nos desenhos animados do gambá romântico da turma do Pernalonga. Tenho por mim que amor é mais do que tudo construção e cotidiano. Claro que uma atração inicial, um click é bom e pode levar a algo mais. Porém, grande parte das relações nasce de encontros mais “normais” como uma situação, ser apresentado por amigos afins.

Mas mesmo um amor eterno não nasce como tal, e sim com cafés, troca de mensagens, pequenos desentendimentos depois resolvidos, acordos. Hollywood e as novelas da Globo contribuíram, para a ideia equivocada que um grande amor surge e se mantém por ele próprio e do conceito absurdo do final feliz, quando na vida real não existe um final de nada, a não ser com a morte, quando já não sabemos que a história (a nossa, somente) acabou. Portanto a vida, como o amor, é um cotidiano sem um “final”. 

Estudiosos defendem que o amor romântico como conhecemos hoje surgiu na idade média, com os trovadores medievais, e se estendeu na literatura produzida nos séculos seguintes, onde podemos lembrar histórias de “grandes amores” como as de Abelardo e Heloísa e de Romeu e Julieta. No primeiro caso, ele foi castrado e ela se confinou num convento e no segundo os dois jovens se mataram após desafiarem a família e causarem outras tantas mortes. Ou seja, o tal grande amor gerou dor e morte. Parecia belo para a época, quando virgindade era um valor a ser defendido com a vida e as mulheres eram prioridade dos pais.

Em pleno 2024 me parece mais adequado à ideia de amor, planejar uma viagem juntos, marcar um fim de semana num resort, comprar carnes juntos para levar para o churrasco da turma ou um jantar num restaurante bacana. Amor eterno? Como se a eternidade fosse um conceito abstrato e o que existe é o hoje. O desafio é amar a pessoa na semana seguinte, não até “o fim”. Nem quem casa com um padre dizendo “até a morte os separe” parece levar essa “eternidade” a sério, vide o imenso número de casais que ainda assim se separam.

Como cantou Lulu Santos, “Vamos viver tudo que há pra viver, vamos nos permitir”. Se for com amor, melhor. Eterno ou não.

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