ADEUS MINHA GENTE, QUE JÁ CANTAMOS BASTANTE

março 9, 2025

NILO Emerenciano – Arquiteto e escritor Aqui no bairro organizaram um bloco, no último sábado, e a turma seguiu uma banda pelas ruas, parando nos bares e fazendo a alegria de muitos.


NILO Emerenciano - Arquiteto e escritor


Aqui no bairro organizaram um bloco, no último sábado, e a turma seguiu uma banda pelas ruas, parando nos bares e fazendo a alegria de muitos. Ouvi de longe, de minha casa, não sem uma certa inveja, mas sem pique nem gosto pra esse tipo de brincadeira. Bebida demais, bebinhos além da conta, excessos pra dar e vender.

A minha atenção foi despertada por um detalhe: as músicas tocadas eram todas antigas, do meu tempo ou mais velhas ainda. Jardineira (Oh, Jardineira, porque estás tão triste, o que foi que aconteceu?), Aurora, (Se você fosse sincera, ô-ô-ô, Aurora); Pó de mico (Foi ele, foi ele sim, foi ele que jogou o pó em mim); Cabeleira do Zezé, (Será que ele é, será que ele é?); O Teu cabelo não nega (O teu cabelo não nega, mulata, porque és mulata na cor); Me dá um dinheiro aí (Ei, você aí, me dá um dinheiro aí); Se a canoa não virar (Se a canoa não virar, olê, olá, eu chego lá); Máscara negra (Tanto riso, oh, tanta alegria, mais de mil palhaços no salão).

Mais parecia um baile da saudade. Pensei: então não se compõem músicas novas para o Carnaval? E não venham me falar de Axé ou coisas parecidas. Quero frevos, marchas-rancho, samba rasgado, por aí.

Aqui na terrinha tínhamos Dozinho, compositor de primeira, autor de vários sucessos, gravados por artistas renomados. Mas para variar não falamos dele como merece, dentro da tradição vigente de não valorizar nossos expoentes. (Melé e Lucarino são outras figuras dignas de registro. Lucarino ganhou rua com seu nome, lá nas Rocas, onde funcionava (ou ainda funciona) o barracão da Escola de Samba
Balanço do Morro – Rua Mestre Lucarino. Que beleza!)

Escola de Samba Balanço do Morro Foto: Tribuna do Norte

Dozinho emplacou sucessos (hoje chamam hits) nacionais. “Eu não vou, vão me levando”, “Doido também apanha”, “Dólar na cueca”, “Não se faça de doido não”, além do hino do ABC F.C (ninguém é perfeito) e do Alecrim FC. Nada que sensibilize nossos gestores culturais. Viva Recife e suas tradições que alguns chamam bairrismo como forma de depreciar. Viva Claudionor Germano, Nelson Ferreira, Capiba. Viva o frevo e o maracatu.

Um vídeo rola nas redes mostrando passistas de frevo recebendo turistas que chegam no Aeroporto Guararapes, em Recife/PE, já na esteira das malas. Sombrinhas são distribuídas e os recém chegados caem no frevo. Quando teremos algo assim?

Uma pergunta incomoda: será que não temos vocação para o Carnaval?

Os blocos de elite dos anos 1960/70 são uma saudosa lembrança. Jardim de Infância, Lunik, Magnatas. O corso da av. Deodoro. O carnaval do Palácio dos Esportes. Os bailes do América, Assen, AABB, Aero Clube. Os papangus. As troças...

Bloco Saca-Rolha - Foto: Brechando

Depois, nossos jovens passaram a viajar para Olinda ou Salvador em busca da alegria que faltava por
aqui. Vi várias tentativas do poder público de revitalizar o nosso carnaval. Em um ano trouxeram até um trio elétrico de Salvador e alguns artistas badalados. Ledo engano. Besteira. Foi constrangedor ver uns gatos pingados seguindo atrás do trio.

Aí veio a Bandagália, inspirada talvez, na irreverência da Banda de Ipanema. Isso aconteceu nos frenéticos anos 1980. Alguns amigos botaram o bloco na rua e a coisa toda foi um sucesso. Democrático, popular, sem isolamento ou abadás, a Bandagália arrastou os foliões pelas ruas e praias de Natal.

Bandagália na Praia do Meio, uma vez que era o point da juventude da época. Foto: Brechando

O desfecho todos conhecem, o crime que enterrou Marques e também a banda. Antes disso, na descida/subida do baldo, uma tragédia já havia abalado a cidade. Será que foi a sombra desses tristes eventos
que afastaram os foliões das ruas?

Aí a turma correu para as praias. Pirangi e Redinha se tornaram polos dos festejos. Ponta Negra também, com um carnaval-família. Não sei, mas acho que apesar de divertidos não tem a força nem o brilho dos carnavais passados, como diz o frevo Evocação nº, de Nelson Ferreira.

Mas as músicas, ah, essas sim, permanecem e tem a força de tirar da rede e levar para as ruas mesmo os foliões mais enrustidos. Os vovôs de hoje, que ao ouvir os versos de "Turbilhão" (Moacyr Franco) erguem-se, vestem uma camisa listrada e balançando braços e pernas saem por aí, juntam-se aos netos, e cantam em alto e bom som:

Vê colombinas azuis a sorrir
Vê serpentinas na luz reluzir
Vê os confetes do pranto no olhar
Desses palhaços dançando no ar
Vê multidão colorida a gritar
Vê turbilhão dessa vida passar
Vê os delírios dos gritos de amor
Nessa orgia de som e de dor

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