A combustão do gol

janeiro 15, 2023

Alex Medeiros- Jornalista e Escritor [alexmedeiros1959@gmail.

Alex Medeiros- Jornalista e Escritor [alexmedeiros1959@gmail.com]

Os pés descalços do menino pisoteiam a terra correndo atrás da bola. Um pique aqui, um drible ali, num toque mágico a esfera se desloca em torno da sua órbita e os adversários seguem atrás, em total desalinhamento. Só a terra conhece seus passos. O menino nasceu com um poder nos pés, como aqueles superseres das revistas em quadrinhos.

A cada corrida e parada brusca para o chute, dos pés escapam gotas de nitroglicerina pura, que no amalgamento com a areia produz o rastilho para os gols. E quando ele cresce e vai ganhar a vida longe do subúrbio, então uma nação inteira descobre que ele existe. No reino fantástico da bola, onde tantos heróis já deixaram seu legado e outros se levantam, surge Roberto Dinamite.

Assim como as explosões cósmicas mudam a trajetória dos astros, o poder explosivo do menino de Duque de Caxias alterou a rota do seu coração. Quem viveu a gritar com as vitórias de uma estrela solitária, de repente passou a defender uma cruz vermelha.

Foi no começo da década de 1970, exatamente quando Roberto vivia a repetir no barro das ruas os gols tempestuosos de um furacão chamado Jairzinho, que o Vasco lhe atraiu para um teste. Começava ali a trajetória do maior artilheiro do Campeonato Brasileiro.

O reino do futebol vivia um momento de grandes expectativas com o anúncio de que o rei Pelé estava deixando os gramados. Diversos príncipes davam os primeiros passos para a conquista dos súditos. Os mais amados eram três: Zico, Reinaldo e Roberto.

Senhores absolutos de três povos distintos, eles devolveram aos domingos as alegrias e devoções enlouquecidas dos tempos do rei e de outros príncipes como Garrincha e Tostão. A vida era mais significativa para quem habitava o Maracanã e o Mineirão.

Havia algumas diferenças entre os três mosqueteiros do gol: Zico era todo talento, um Pelé branco como diziam os ingleses; Reinaldo unia força e habilidade como poucas vezes vimos no Brasil; e Roberto era uma máquina, dotada de vísceras e sangue humanos.

Porque quando os deuses do futebol moldaram Roberto Dinamite, não usaram o carbono, aquele pó que vem das estrelas para se tornar a base fundamental da vida. Numa simbiose quase atômica, adaptaram pólvora como a substância primeira.

Um gol de Roberto não provocava o mesmo deslocamento de ar no peito da galera, como nos gols de muitos outros craques. Na explosão do seu chute certeiro, acontecia uma reação em cadeia pelas estruturas dos estádios. Era dinamite em ondas de gritos e louvação.

O maior ídolo do Vasco da Gama, que depois se tornaria seu presidente, não foi melhor que o deus do arquirrival Flamengo, Zico. Nesta desnecessária comparação, um velho slogan publicitário se inverte: quem não é o melhor, tem que ser o maior.

O nome de Roberto Dinamite se perpetuou em dose dupla, nos campeonatos carioca e brasileiro, como seu maior artilheiro, até agora praticamente inalcançável por quem quer que seja: foram 279 gols jogando no Rio e 190 nos campos de todo o País.

Os números do craque em relação a outros semelhantes demonstram que o processo do gol em Dinamite parecia ser realizado como numa combustão química, talvez fruto de uma origem sobre humana nos laboratórios mágicos dos deuses do futebol.

A marca atingida no Campeonato Brasileiro, entre 1971 e 1992, por exemplo, significa 35 gols a mais do que o segundo colocado, Romário (que em cuja carreira fez mais de 1.000 gols); são 37 a mais que Edmundo e 55 gols de diferença para Zico.

Roberto e Zico estão para a História do futebol brasileiro como Ulisses e Aquiles para a mitologia. São heróis quase imortais para dois povos distintos, que protagonizaram epopéias inesquecíveis e deixaram um legado de obstinação, raça e puro talento.

Ambos iniciaram na seleção brasileira tendo como pontos em comum o ano de 1976 e a interferência de um mesmo craque: Marinho Chagas. Zico estreou em 25 de fevereiro, pela Copa Rio Branco, contra o Uruguai; Roberto em 22 de maio, pelo Torneio Bicentenário dos EUA, contra a Inglaterra.

Com Rivelino e Nelinho ausentes, a “Bruxa” deixou o garoto Zico cobrar a falta que iniciou a virada do Brasil em Montevidéu por 2 x 1. Foi Marinho quem cobrou o escanteio que gerou o rebote inglês para Roberto estabelecer a vitória por 1 x 0.

Nas duas copas em que foi convocado, Roberto atuou sem ritmo em 1978 e ficou no banco em 1982. Até hoje, quem rever aquela seleção maravilhosa com Falcão, Sócrates e Zico, tem um pressentimento retroativo de que o chabu com Serginho teria sido uma explosão com Dinamite.

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