Gilberto Costa - Poeta e Servidor Público Federal

Ela resiste ao tempo, a caderneta. Nas bodegas ela é responsável pelos registros contábeis. Os vendedores de leite in natura a mantém como segurança para lembrarem do fiado. Eu também tive minha caderneta.

No início dos anos setenta, quando nossa família apresentou maior segurança financeira ao sairmos da condição de boia-fria para pequeno produtor rural, a caderneta passou a compor nosso lar. Foi com ela que iniciei minha escrita. Nela escrevi nomes e números. Com ela aprendi a somar e subtrair. Com ela treinei as diversas formas de caligrafias. Com ela tive o cuidado de não borrar nem sujar as folhas de meus cadernos escolares num futuro próximo.

Toda caderneta contem, além de nomes, números e datas e ocorrências, registros outros como marcas de dedos, pingos de chuvas e gotas de café. É que a caderneta se constitui em ferramenta sempre ao alcance de nossas mãos. E nem sempre é feita uma assepsia devida.

A caderneta também se fez instrumento de diálogo e calorosos debates em minha vida. Alertas feitas por Seu João das Vacas (in memoriam) eram constantes. “Não se esqueça de anotar tudo, Beto” se reproduzia sempre. Não tinha como esquecer a norma prescrita. Vez por outra havia contestações sobre o valor apurado. Mas as anotações com detalhes das exceções ocorridas no mês, tais como “um litro de leite a mais para fazer um doce, uma umbuzada, uma canjica, um arroz. Ovos além das compras usuais para um bolo” dirimiam as dúvidas levantadas.  E o consenso se estabelecia entre nós.

Hoje, quando perambulava pelas ruas logo cedinho, deparei-me com uma venda de café em um de seus logradouros. A dona atendia e anotava o fiado em sua caderneta gasta pelo manuseio. Os registros eram feitos com lápis grafite. Ao lado uma borracha para apagar os possíveis erros, corrigidos em tempo real. 

Pudesse eu aconselhar os Coordenadores de Cursos de Direito, faria com que estimulassem a prática de seminários sobre o valor da caderneta num processo. Na certa os futuros juízes profeririam sentenças irretocáveis.