A Banana Amassada
Raimundo Brasileiro Augusto- Poeta e Escritor Marica trabalhava e morava na casa que abrigava a Coletoria Estadual de Impostos.
Raimundo Brasileiro Augusto- Poeta e Escritor
Marica trabalhava e morava na casa que abrigava a Coletoria Estadual de Impostos. Suas obrigações consistiam em manter limpa a casa e o escritório do coletor, e guisar, em uma panela de barro, uma galinha caipira para o almoço do chefe, uma vez por semana.
Alfredinho Cobrador, como era chamado pela gente do lugar, morador da capital, comparecia ao expediente um único dia da semana, geralmente às sextas-feiras. Chegava logo cedo e passava o dia cobrando impostos dos bodegueiros e pequenos lojistas, voltando para a capital no final da tarde com o jipe cheio de mercadorias, frutos de propinas que levava de quebra.
Tinha por mim um carinho especial e me chamava sempre de "meu preto lindo". O apego a mim se dava por um amor quase maternal, já que Marica nunca casou nem teve filhos. Fui "adotado" por ela logo que perdi minha mãe, aos dois anos e meio.
Certa feita, Marica ouviu da minha avó que, duas vezes ao dia, não podia me faltar uma banana amassada. A partir daquele dia, se impôs o hábito de amassar com um garfo uma banana leite adoçada com mel de engenho pela manhã e outra no lanche da tarde. Me punha no colo e me servia cantando.
Após a morte precoce da minha mãe, cessaram as festas lá em casa. Durante mais de três anos, nenhuma data foi comemorada. Mas quando completei seis anos, foi resolvido que haveria uma festa.
Determinado, resolvi procurá-la. Peguei o prato que minha avó preparou para mim, cobri com um pano que achei na cozinha e saí sem ninguém perceber, seguindo rua afora até a casa do cobrador de impostos, cuja porta estava sem trancas, semiaberta. Entrei, pé ante pé, atravessei a sala do escritório, segui olhando pelo corredor, olhei pelos quartos, e encontrei Marica na cozinha, sentada à mesa, cabisbaixa, diante de uma palma de bananas leite maduras.
Sem falar nada, pus o prato à sua frente. Seus olhos brilharam - "Vem cá, meu preto lindo!", me aconchegou no colo e começou a cantar, com uma voz que me pareceu diferente, uma canção que eu nunca ouvira. Depois passou a assoviar uma melodia como fosse um pássaro pousado sobre o telhado e, com toda delicadeza, foi amassando com o garfo a banana leite que escolhi.
Cobriu a banana amassada com um filete de mel de cana, e me serviu assoviando aquela canção de quase ave. Alimentado e feliz, adormeci serenamente, aconchegado entre os seios da minha quase mãe.
In: “Crônicas da Casa da Pedra Oca”.
Belíssima crônica, Raimundo!
Feliz e lisonjeado,tanto pela publicação no Alerta, que faz parte da minha história desde a sua fundação,ainda no século passado, e pelo comentário da querida amiga, Elza Amaro.
Em separado, meu imenso abraço natalino para o querido José Alves.
Valeu, Dedé do Alerta!