Pe. Matias Soares- Pároco da paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório - Natal-RN
O agir pastoral da Igreja exige uma profunda teologia. O Papa Francisco, falando à Associação Italiana de Teologia, sugeriu que a mesma fizesse a sacra ciência considerando três atitudes: 1) - Não perder a capacidade de se admirar; fazer teologia no enlevo. O enlevo que Cristo nos traz, o encontro com Cristo; 2) - O teólogo é aquele que estuda, pensa e reflete, mas fá-lo de joelhos. Fazer teologia de joelhos, como os grandes Padres. Os grandes Padres que pensavam, rezavam, adoravam e louvavam: a teologia forte, que é fundamento de todo o desenvolvimento teológico cristão; e 3) - Fazer teologia na Igreja, ou seja, no santo povo fiel de Deus, que – di-lo-ei com uma palavra não teológica – tem a ‘intuição’ da fé (cf. 29/12/2017).
Nesse discurso do Pontífice há, sem dúvida, uma panorâmica do ‘como’ a reflexão teológica precisa ser elaborada no contexto eclesial e a sua necessidade para a ação pastoral, tanto internamente, considerando a fé de todos que compõem a comunidade eclesial, quanto na sua relação com o mundo. Consideremos estes três pontos elencados por Francisco.
1- O encontro com Cristo: a partir do Concílio Vaticano II, considerando o paradigma da ‘Divina Revelação’, temos que pensar o cristocentrismo da própria teologia. Não há o que achar estranho dessa colocação, já que a teologia medieval e, a partir dela, toda a construção teológica até o evento conciliar tinha Deus como objeto da reflexão teológica (cf. S. Tomás. Sum. Teol. I Parte, q. 1, art. 7). A Dei Verbum – texto conciliar que trata da revelação divina na história - coloca o fundamento epistemológico para a teologia, não só a fundamental, como também para as demais disciplinas teológicas (cf. OT 16). Há uma reviravolta no modo de tratar toda a dogmática católica. Pensemos na elaboração teológica dos peritos do Concílio: K. Rahner, J. Ratzinger, Urs von Balthazar, H. de Lubac, J. Daniélou. Este último escreveu um “ensaio sobre o mistério da história” (cf. Essai sur le mystère de l’histoire). Nessa linha, as demais teologias contextuais desenvolveram suas abordagens na catolicidade.
2- Teologia de joelhos: Francisco toma essa expressão e a usa amiúde. Há quem afirme que a mesma é de Urs von Balthasar. Aliás, há muita influência deste teólogo no pensamento de Bergoglio. A imagem nos direciona à concepção de que o teólogo precisa ser marcado por uma profunda experiência de Deus, com uma “mística de olhos abertos” (cf. J. B. Metz), tem, antes de tudo, uma fé consistente e alicerçada numa vida de oração.
O teólogo não só é um perito da ciência sobre Deus; mas é, antes e acima de tudo, um “amante de Deus”, um mistagogo que também tem a missão de conduzir-nos ao mistério. Neste aspecto, pode ser feita a síntese entre a perspectiva da rica Tradição dos santos padres e demais teólogos medievais e a reflexão teológica que tão bem dialoga com as muitas correntes de pensamento contemporâneo. Os grandes da teologia que prepararam as inovações do Concílio, as fizeram com maestria, mesmo tendo suas dificuldades de “entendimento” por parte de alguns que, até os nossos dias, continuam a ter medo das possibilidades que precisam ser acolhidas para que haja esse diálogo fecundo entre a fé e a cultura.
3- Fazer teologia na Igreja: Um dos pressupostos fundamentais do Vaticano II é a afirmação de que a Igreja é o Povo de Deus (cf. Lumen Gentium, cap. II). A teologia do sacramento do batismo será o ponto de partida para que pensemos o dinamismo eclesial com a imagem da “pirâmide invertida” (cf. Papa Francisco). O estilo sinodal da Igreja passa pela compreensão desta metáfora. O senso da fé do Povo de Deus é a categoria assumida e acolhida nas relações eclesiais (cf. Documento final. II seção do sínodo dos Bispos, partes I-II).
A sinodalidade eclesial, como “comunhão, participação e missão”, necessita do aprofundamento desta teologia conciliar. Nesta direção, faz-se necessário retomar a proposta de Bento XVI sobre a “justa hermenêutica” do Concílio. Lê-lo na sua integralidade e com a mente e o coração atentos aos sinais de cada tempo. A teologia feita na Igreja e com ela, conjugando fé e razão, prática e teoria, coração e mente, discipulado e missão, exige essa postura metodológica.
A teologia tem a vocação de nos levar ao estilo de vida do Nazareno. Há um fascínio em perceber como Ele estava em total comunhão com o Pai, sem deixar de olhar para aqueles que a Ele foram confiados (cf. Jo caps.10; 13; 17; Mt 5-7;25; Lc 4-6; Mc 5-8). Era plenamente situado historicamente. Como ciência sobre Deus, que escolheu encarnar-se no tempo e no espaço da humanidade (cf. Jo 1,14), com o desígnio benevolente de salvá-la do pecado e da morte, assumindo a sua condição para redimi-la.
A teologia também deve ter o olhar para o ser humano, já que o mistério deste só será acolhido à luz do mistério de Jesus Cristo (cf. Gaudium et Spes, cap. I). A Igreja, na sua sacramentalidade, e tudo que a ela pertence, tem a missão de assumir com sua teologia e ação pastorais os mesmos sentimentos e atitudes do seu Mestre e Senhor. Assim o seja!