Pe. Matias Soares - Pároco da paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório - Natal-RN
A Arquidiocese de Natal, na pessoa do seu Pastor Próprio, Dom João Santos Cardoso, juntamente com todos os que compõem a porção do povo de Deus, que vive a fé em nosso território e de modo permanente faz a memória da vida e obra de Jesus Cristo, prepara-se para celebrar um Sínodo. Precisamos ter a convicção de que este é para todos nós um tempo de graça, é um sinal de Deus que nos convoca a percebermos os novos sinais do “despertar do admirável mundo novo” (cf. Aldous Huxley). Este mundo vive uma época de transições.
Os avanços na tecnologia, com as incertezas futuras que com eles nos trazem inseguranças e ansiedades, a crise ecológica, com suas declinações pontuadas em todo o globo e suas consequências imediatas em nosso Brasil, as situações de guerra acontecendo no mundo, sem diálogos profícuos para as suas resoluções diplomáticas, as projeções políticas que ainda não conseguem solucionar as imigrações, que fazem fervilhar os desrespeitos aos direitos humanos fundamentais e os dramas humanitários. Essa leitura da realidade é necessária, quando queremos inculturar o anúncio do Evangelho.
O que vemos na geopolítica, podemos constatar em nossa conjuntura brasileira e norte-rio-grandense. No contexto da nossa Igreja Local, também somos chamados a contemplar – ver com os gregos-razão – e sentir – ouvir com os judeus-fé – os clamores das pessoas, principalmente daquelas que estão nas periferias geográficas e existenciais.
O Concílio Vaticano II, já no proêmio da Gaudium et Spes, evidencia o que a Igreja é chamada a testemunhar nessa fase contemporânea da nossa história, ao afirmar o seguinte: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos.
Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao gênero humano e à sua história” (cf. GS, 1). Esse ensinamento é primoroso. É extremamente importante, mas infelizmente ainda não acolhido plenamente nas suas percepções e conclusões. Na América Latina, as suas Conferências eclesiais promoveram a sua recepção teórica e, durante uma longa fase, avançaram na sua implementação; todavia, em algum momento voltamos à retração dos movimentos que tendiam ao maior dinamismo da Igreja para além das suas sacristias.
Em nossas paragens, alguns fatos passam desapercebidos e, tendencialmente, não são lembrados; mas que dizem muito dessa saída das nossas ações evangelizadoras das realidades de fronteiras. Deixamos de falar de “comunidades eclesiais de base”, saímos da universidade, assumimos estilos mais burocráticos, enfatizamos o antigo, sem conexão com o espírito do tempo. Quando paramos para rezar e estudar, vamos fazendo essa tecitura e nos sentindo provocados a querer mais, a sonhar com mais, a entender que na ‘Alegria do Evangelho’ podemos nos lançar para águas mais profundas (cf. Lc 5, 1-11).
A proposta pastoral da V Conferência de Aparecida foi apresentada em nossa Igreja arquidiocesana. A conversão pastoral, a partir do encontro pessoal com Jesus Cristo, foi temática de assembleias e encontros. Muitos tiveram dificuldade em assumi-la. Nos falta teologia e paixão. Tínhamos um terreno propício para sua acolhida, que eram as “Santas Missões Populares”.
Em Natal, esse foi um projeto que começara a dar resultados pastorais. Tinha como carro chefe a palavra de Deus e a setorização das paróquias. Em alguns lugares, conseguimos levar a bom termo essa bela experiência. Antes de Aparecida, já vivíamos por aqui aquele percurso de formação, organização e missão. Contudo, o “cansaço espiritual e a falta de ganas missionárias” não permitiram a continuidade da semente que fora lançada.
Como todo projeto, quando não há o tempero do amor, surge o esmorecimento e a saudade da ‘conservação’. Voltamos ao mais do mesmo, apostando nos emotivismos contemporâneos ou na pastoral sacramentalista, que não geram perspectivas novas; já que é a partir do ‘querigma’ e o encontro pessoal com o Senhor que o processo de formação para o discipulado e a missão precisa acontecer. O despertar começa pelo anúncio da Palavra, que gera conversão, que é alimentada pela vivência dos sacramentos. Esse caminho é permanente e envolve a pessoa em sua totalidade.
A nossa Igreja Particular, com o Sínodo, é chamada a questionar-se sobre o que é necessário para que nela aconteça a sua “conversão missionária e pastoral” (cf. EG, cap. I). A nossa ‘inquietação’ deverá direcionar-se para a seguinte pergunta: Qual é o rosto pastoral da nossa Igreja Particular de Natal, com as suas tantas estruturas? Os nossos organismos têm patente que tudo o que realizamos deve promover o anúncio do Evangelho ao homem de hoje, com suas concepções, desafios emergentes, problemáticas sociais e existenciais? Quais são os nossos ‘lugares teológicos’ a partir dos quais falamos?
Assumimos o propósito de proclamar o Evangelho a começar das periferias até os grandes centros? Quem está fora da Igreja e gostaríamos de ‘convidar’ para fazer parte do banquete do Reino? ‘Os mais pobres dos pobres’ (cf. P. Joseph Wresinski) estão sendo lembrados e acolhidos por nós, na promoção da sua dignidade integral: corpo, psique e espírito? Em nossas comunidades eclesiais e camadas sociais, quem são os descartados da história? Quais são os seus rostos e seus nomes? Onde estão os que não estão conosco?
E assim por diante. Quando falamos de conversão, temos que ter presente que esta é antes de tudo a Deus e ao Outro. Por amor a Estes, mudamos o nosso modo de pensar e sentir como cristão, assumindo um novo estilo de ser Igreja. Assim, a nossa conversão pastoral continua a ter – ontem, hoje e sempre – o modelo do Bom Pastor como referência (cf. Jo 10, 1-21).
O Sínodo terá a tarefa de nos sensibilizar e nos situar, com a consideração de que a “realidade é mais importante do que a ideia” (cf. Evangelii Gaudium, 231-233), enquanto Igreja peregrina e missionária (cf. Ad Gentes, 2), em nosso contexto, com suas demandas pessoais, políticas, econômicas, climáticas e estruturais. Ao escutar e dialogar entre nós e com a sociedade contemporânea, temos a bússola do Concílio Vaticano II e todo o magistério sucessivo, especialmente o desenvolvido em nosso Continente, com sua fisionomia e desafios, para qualificar e presentificar a proposta do Reino de Deus (cf. Mc 1, 14-15).
Estamos sendo mobilizados pelo Papa Francisco a viver a conversão missionária e a assumir o estilo sinodal. Somos um Povo com uma trajetória de evangelização marcada pela religiosidade – mística – popular, com características próprias e elevada pelo testemunho dos Protomártires do Brasil, o que nos torna sensíveis ao que a Igreja pode propor para que o Evangelho possa tocar as mentes e os corações de todos.
O nosso Sínodo precisa ser esse tempo concedido por Deus para que sejamos uma Igreja que oferece a si e ao mundo “a doce e reconfortante alegria de evangelizar” (cf. Evangelii Gaudium, 9). Com o olhar nas orientações da V Conferência de Aparecida, enquanto Igreja arquidiocesana, pensemos em que o Sínodo agregará possibilidades para que testemunhemos a nossa identidade missionária e a nossa conversão pastoral. Assim o seja!