Aceito pix!
Cefas Carvalho – Jornalista e Escritor Como diria Nelson Rodrigues, é batata! Basta retornar ao veículo que estacionamos próximo a um restaurante ou barzinho e, do nada, como uma entidade mágica, aparece o rapaz (“flanelinha”, segundo a cultura popular) do nada pedindo uma quantia “por ter vigiado o carro”.
Cefas Carvalho - Jornalista e Escritor
Como diria Nelson Rodrigues, é batata! Basta retornar ao veículo que estacionamos próximo a um restaurante ou barzinho e, do nada, como uma entidade mágica, aparece o rapaz (“flanelinha”, segundo a cultura popular) do nada pedindo uma quantia “por ter vigiado o carro”. (sic). Quando tenho uns trocados, nota de dois, cinco reais, dou sem problema. Quando não, peço desculpas e digo que na próxima compenso. Porém, nos últimos tempos, quase todos, ao constatar a falta de trocados, respondem: “Aceito pix!”.
Primeiro foi uma surpresa. Um flanelinha com chave pix? Depois uma reprimenda em mim mesmo: Poxa, Cefas, e por que eles não poderiam ter pix? São cidadãos como qualquer outro, com direito (e acesso, inclusive) à tecnologia.
Na mesma época da história dos guardadores de carro, percebi também no bairro onde moro, Nova Parnamirim, vendedores ambulantes de doces e bombons deixando bem claro que aceitam pix. Alguns andando com um papel com o QR Code, para facilitar para os clientes. Já vi gente passando 2 reais de pix para comprar uma trufa. Dia desses um vendedor de jujuba num ônibus, após dizer o nome, a idade e agradecer a Deus por estar ali trabalhando honestamente, comunicou aos passageiros/consumidores que aceitava pix. Enfim, hoje em dia todo mundo tem aparelho celular, tem dados móveis de internet, logo, todo mundo tem pix.
Alto lá, nem todo mundo. O mundo é cheio de contradições e paradoxos. Uma curiosidade, digamos, sociológica: enquanto pessoas em situação de vulnerabilidade social se viram nos trinta para ter um pix, gente devidamente formada e com alto poder aquisitivo às vezes recusa essa nova ferramenta por desconfiança, por achar que o pix não é seguro, que o dinheiro pode ir para mãos erradas ou que a plataforma vai “roubar” seus dados pessoais. Uma mistura de teoria da conspiração com neura pessoal, que já ouvi algumas vezes de empresários, aposentados, que preferem agir “como antigamente”, ou seja, ir à agência bancária para, seja na chamada boca do caixa, seja no caixa eletrônico, realizar as operações.
Essa particularidade permite até uma leitura sociológica de boteco, onde pessoas em maior situação de vulnerabilidade social, a despeito da falta de recursos, aceitam com mais facilidade novas tecnologias e avanços operacionais do que pessoas mais abastadas (e mais conservadoras) que não apenas relutam em aceitar novidades, como vivem uma síndrome de Tio Patinhas, de que todos – Estado, Justiça, pessoas etc – querem roubar seu dinheiro.
Neste ponto o pix veio para facilitar e também, democratizar a remessa de dinheiro. Não dá mais, como eu fazia, recusar uma compra ou serviço com a alegação de que “não tenho dinheiro trocado”. Na verdade a facilidade da operação joga por terra até mesmo outras antigas argumentações para não repassar grana, como “o cartão está com tarja magnética gasta”, “o cartão não passou”, “esqueci o cartão”, “estou só com uma nota de R$ 100”.
Em tempo: transportes alternativos já aceitam pix normalmente. Assim como quase todo mundo. Como cantou Belchior e eu repito sempre nos meus textos, o novo sempre vem. Podia vir mais pix na minha conta, inclusive.