SÉTIMA ARTE
NILO Emerenciano – Arquiteto e Escritor Vejo que o novo filme de Almodóvar foi aclamado durante dezoito minutos no festival de Veneza.
NILO Emerenciano - Arquiteto e Escritor
Vejo que o novo filme de Almodóvar foi aclamado durante dezoito minutos no festival de Veneza. Dezoito longos minutinhos. Fiquei pensando: esse tempo todo de aplausos? Não é um pouco demais? Sim, tenho o devido respeito ao talento de Almodóvar, e acredito que o filme, The Room Next Door, deve ter suas qualidades. Mas me imagino de pé, na plateia do cinema, aplaudindo durante todo esse tempo uma fita, por melhor que seja. Esse pessoal não tem nada melhor a fazer a não ser bater palmas?
Sim, tenho o devido respeito ao talento de Almodóvar, e acredito que o filme, The Room Next Door, deve ter suas qualidades. uma fita, por melhor que seja. Esse pessoal não tem nada melhor a fazer a não ser bater palmas? Por exemplo: sair e ir conversar com os amigos sobre o filme em um café ou esticar em um barzinho na beira da praia?
Sou viciado em cinema desde garoto, pois morava próximo ao cine Poti e assistia de tudo, inclusive os proibidos para menores. Como assim? Perguntarão. Fácil. O funcionário para não perder os fregueses, aguardava o apagar das luzes e abria o portão lateral para a nossa entrada furtiva, driblando o fiscal do Juizado de Menores. Com o dinheiro do troco eu comprava dois cigarros que nem lembro a marca e fumava um antes e outro depois da sessão.
Assim criei também o gosto pelos filmes nacionais pois eram garantia de mulheres peladas na tela, sendo Os Cafajestes, com Jece Valadão e Norma Bengell, o ponto alto, pois levava minutos mostrando a nudez absoluta de La Bengell. Os filmes americanos da época eram caretas. Neles, para vocês terem ideia, os casais usavam duas camas de solteiro no quarto ao invés da cama de casal. Era como se dormissem como irmãos e não marido e mulher. Dormir juntos sugeria pecado, mas doses e mais doses de martini e cigarros em penca não eram nada demais.
Vocês, da geração Z ou coisa parecida, não vão entender o nosso gosto por cinema. Mais que gosto, fascinação. Cinema ainda era a maior diversão. Colecionávamos revistas como Cinemim, recortávamos fotos de atores e atrizes, catávamos fragmentos de película no lixo dos cinemas, alguns até anotavam os filmes vistos em um caderninho.
Vi filmes em todo canto, acreditem. No Teatro Alberto Maranhão, no Rex, Rio Grande, Nordeste, São Luís, Poti e Panorama, nas Rocas. Falar em Rocas, na rua São João existia um cinema que chamávamos cine Pulguinha. Severino Galvão, pai do cantor/compositor Babau, era proprietário de um desses cinemas de bairro, ali nas proximidades da Igreja de São Sebastião, no Alecrim. Aliás estive presente na inauguração do Cine Poti e do Panorama. No Poti guiado pela mão da minha mãe que gostava demais daqueles melodramas de Hollywood. Sublime Tentação, Imitação da Vida, por aí. Na Fundação José Augusto vi filmes do Cineclube Tirol, com a plateia infiltrada de gente esquisita, agentes da repressão, provavelmente. Já eram outros tempos.
As cidades do interior também dispunham de salas de projeção. Lembro do cinema São José, de São José do Mipibu, do Éden e do Pio XII, de Nova Cruz, do Rio Branco em Caicó (me corrijam se o nome não era esse, afinal a memória não é mais a mesma).
Televisão era coisa nova e a imagem era ridícula, em preto e branco, com chuvisco e barras horizontais e verticais passando sempre. Não havia bombril que desse jeito. Então a garotada se refugiava no escurinho do cinema, lugar, inclusive, dos primeiros namoros e mãos bobas.
As chanchadas da Atlântida provocavam filas enormes na calçada no cine Rex. Os humoristas Oscarito (genial), Grande Otelo, Zé Trindade, Ankito, eram os reis das chanchadas. Consuelo Leandro e Dercy Gonçalves eram o contra ponto feminino dessa trupe. Competiam em pé de igualdade com o mexicano Cantinflas, os Irmãos Marx, os Três Patetas, Jacques Tati.
Falando sério? Acho que os brasileiros não perdem para nenhum desses, exceção feita a Carlitos, ou melhor dizendo Charles Chaplin, hors-concours absoluto. Gostávamos tanto de cinema que tentávamos as soluções domésticas, ou seja, fazer cinema em casa. Os pedaços de fita que colhíamos no lixo do Poti eram coladas e passadas por uma caixa de sapatos com uma lâmpada dentro, uma lente de óculos presa em um buraco e um lençol na parede. Claro que não dava certo, mas valia a tentativa.
Talvez os longos aplausos em Veneza, reflitam a admiração por um gênero que alguns chamavam “filmes cabeça”, ou seja, filmes de autores consagrados, tipo Felini, Pasolini, Antonioni, Bergman, Kubrick, Glauber Rocha. Filmes que faziam mais que divertir, exigiam alguma reflexão. Resta algum?
Acho que Almodóvar é o último desses diretores a se tornar grife, garantia de qualidade. Ou, quem sabe, tantas palmas signifiquem uma repulsa pelos filmes de super-heróis que invadiram as telas dos cinemas em uma overdose de efeitos especiais e explosões além de muito besteirol. Se for por isso junto-me aos aplausos, pelo menos por uns 20 segundos. É mais que suficiente.
Mas pensando bem, um filme da Marvel ainda é melhor programa do que ver o horário eleitoral da televisão, aí, sim, um vazio absoluto de ideias.