Lembranças da minha infância
Nadja Lira – Jornalista • Pedagoga • Filósofa Eu estava de férias e Recife, quando num domingo na praia de Boa Viagem encontro um conterrâneo de João Câmara, que era um dos meninos que participava dos embates entre Sebastião Dodô (meu avô) e Seu Lelé.
Nadja Lira – Jornalista • Pedagoga • Filósofa
Eu estava de férias e Recife, quando num domingo na praia de Boa Viagem encontro um conterrâneo de João Câmara, que era um dos meninos que participava dos embates entre Sebastião Dodô (meu avô) e Seu Lelé. Segundo ele, a história foi mais ou menos assim: meu avô e Seu Lelê costumavam caçar na região da Serra Verde, porque naquela época não havia fiscalização do Ibama. Então, era dessas caçadas que eles traziam as carnes para alimentar as famílias.
Seu Lelê disse que certa vez, passou o dia todo na Serra Verde e não conseguiu matar um único bicho. Às 14h, aproximadamente, cansado e com fome decidiu voltar para casa. Começou a caminhar e percebeu que andava por uma estrada onde havia árvore de um lado e do outro. O dia era de sol forte e o céu estava limpo e sem nuvens. Mas, estranhamente ele caminhava numa estrada de sombra, enquanto ouvia um barulho como se fosse a batida de um bombo. Ele, de espingarda em punho, olhava atentamente para os lados, tentando descobrir de onde vinha o som, mas não conseguia. E assim caminhou por mais de um quilômetro.
De repente a sombra acaba, mas o barulho continua. Ele assustado, vira-se e olha para trás e vê uma enorme cobra com a cauda enrolada no tronco de uma árvore de um dos lados da estrada e a cabeça enrolada em outra árvore, do outro lado. O barulho que parecia o som de um bombo, era a cobra piscando os olhos.
A galera que ouvia a história gritava: “Vai Bastião! Quero você derrubar esta! Já perdeu”. Meu avô calmamente arrumou o cigarro de palha, deu uma baforada demorada e disse: "É. Essa história está difícil de derrubar. Mas, ontem à noite assistindo o Repórter Esso, eu ouvi os repórteres dizerem, que na Amazônia foi descoberta uma árvore que tem o tronco bem grande, mas tão grande, que de um lado tem 100 homens serrando esse tronco com uma serra elétrica e do outro lado, outros 100. Mas eles não conseguem escutar o barulho das serras uns dos outros.
Ninguém entendeu nada e então Seu Lelê impaciente perguntou: Ora, e por que estão serrando uma árvore de tronco tão grande, Bastião? E meu avô disparou:" Para matar a cobra, que você viu na Serra Verde!" Os garotos iam ao delírio.
A Mercearia Baixa-Verde pertencente a Seu Zacarias ficava bem pertinho da casa da minha avó. Tinha as paredes pintadas de verde e branco e vendia de tudo. Ao lado da mercearia havia um bar e restaurante, onde a filha de Seu Zacarias, conhecida por, Zinha, trabalhava como cozinheira.
Seu Zacarias apreciava os embates, porque a plateia sempre comprava as guloseimas que ele vendia, incluindo os deliciosos bolos e doces feitos pelas mãos de fada da cozinheira Zinha.
Em outra ocasião, meu avô contou que na frente do Cine Planalto, de propriedade do Sr. José Augusto, havia uma infinidade de meninos trocando figurinhas de jogadores e trocando gibis (literatura muito popular naquela época). Na calçada do cinema havia gibis para todos os gostos: Gasparzinho – o fantasminha camarada, Brazinha, Zorro, Fantasma, Tarzan, Príncipe Valente, Capitão Marvel e tantos outros.
Em frente ao cinema também ficavam dois cegos que pediam esmola às pessoas que iam assistir os filmes. Um dia, os dois se desentenderam porque um imaginava que o outro havia sentado no lugar que lhe pertencia. Assim, uma verdadeira confusão se formou diante do cinema, enquanto os meninos vibravam com a acalorada discussão entre os dois cegos.
E haja xingamentos, socos e ponta pés perdidos no ar, uma vez que os cegos não tinham noção de onde se encontrava o adversário. Os meninos, por sua vez, se divertiam com a situação e ao invés de acalmar os ânimos, “botavam mais lenha na fogueira”.
Em dado momento, um dos moleques gritou: “Calma ceguinho, guarde a faca, pelo amor de Deus!” O outro cego disparou numa carreira, que não teve cristão capaz de segurá-lo.