A eternidade do Imperador
Alex Medeiros – Jornalista e escritor ( Texto publicado na Tribuna do Norte) Quis o destino, ou mais uma vez a vontade dos deuses do futebol, que num ano emblemático se concedesse ao povo alemão uma dádiva como contraponto aos crimes do nazismo.
Alex Medeiros - Jornalista e escritor ( Texto publicado na Tribuna do Norte)
Quis o destino, ou mais uma vez a vontade dos deuses do futebol, que num ano emblemático se concedesse ao povo alemão uma dádiva como contraponto aos crimes do nazismo. No mesmo 1945 em que a Segunda Guerra chegou ao fim, poucos meses após a morte de Hitler nascia na cidade de Munique um menino de nome Franz Beckenbauer.
E se é verdade que o destino embaralha as cartas para o jogo da vida, como queria o também alemão Arthur Schopenhauer, Beckenbauer surgiu na Alemanha devastada para tornar-se o coringa da simbologia de uma reconstrução nacional, a partir da hegemonia lúdica de um futebol de força e competitividade.
Filho de bairro e família humildes, o garoto conheceu a bola aos 9 anos nos infantis do SC Munique e aos 13 já se destacava entre juvenis do Bayern. Adolesceu nos titulares do time e logo virou referência na Bundesliga.
Sob seu comando, o Bayern foi absoluto no final da década de 60 e por toda a era posterior. Beckenbauer é um divisor de águas e de métodos na História centenária do futebol, inventado pelos ingleses e reinventado por ele.
O homem chamado de “Kaiser” (imperador em alemão) criou a função do líbero, representação maior do que chamamos “futebol total”. Quando seu talento entrava em campo, os especialistas fundiam a cuca tentando defini-lo.
O exímio zagueiro era muito goleador para ser apenas um marcador impecável, enquanto o terrível meia era por demais defensor para ser classificado como atacante ou artilheiro.
Os anos dourados do futebol, nas décadas de 1960 e 1970, foram governados por ele e Pelé. Se o rei dominou os anos 60 a partir da gloriosa Copa de 1958, o imperador foi hegemônico nos anos 70, desde as Olimpíadas de 1972.
O planeta teve duas bandas, apesar da existência de outros gênios como Bobby Charlton, Eusébio, George Best, Tostão, Puskas, Sívori, Cruijff, Riva, Pedro Rocha, Rivellino, Gerd Muller, Cubillas, Gerson, Coluna e Mazzola.
Saído da gênese de uma tragédia nacional, Beckenbauer foi o renascimento de um povo derrotado física, econômica e psicologicamente. Foi a versão bismarckeana na geopolitica da bola, unificador por Fritz Walter e Uwe Seeler. Como dizia Nietzsche, seu futebol foi “um pouco de razão na loucura”. Foi o intervalo entre paz e guerra, entre o suicídio de Hitler e o sorriso do presidente Walter Scheel em 7 de julho de 1974, quando o líbero levantou a Taça da Fifa.
Como na Segunda Guerra, o mundo estava do lado oposto dos alemães, maravilhado com o carrossel e a arte da turma de Cruijff. Mas a Alemanha tinha seu “kaiser”, um gênio diferenciado do gênio holandês pela fria disciplina.
Levou seu país à conquista da Copa, vinte anos depois da geração de Fritz Walter. Ele seria absoluto naquela década. Em 1977, atuando com Pelé, nos EUA, o imperador germânico superou o brasileiro na eleição de melhor do ano.
Junto com Messi, Cruijff, Di Stefano e Maradona, Beckenbauer é um mito na medida de Pelé. A imagem da Copa 1970, jogando com um braço fraturado na batalha contra os ingleses, é um de tantos motivos de culto ao seu nome.
Será para sempre – como o macedônico Alexandre – o Grande Imperador