NILO Emerenciano - Arquiteto e escritor.
Minha memória guarda vagos ecos da Copa do Mundo de 1958. O bar Cisne, de Múcio, lotado, os adultos bebendo cerveja e comprando bombas para soltar ali, na rua João Pessoa, em Natal, alto-falantes transmitindo os gols de Pelé. A euforia dominando tudo, saudando um time que sabíamos de cor: Gilmar, De Sordi, Belini, Nilton Santos, Zito e Orlando, Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagalo.
Meu pai comprou o disco com a gravação das músicas e gols da jornada. Edson Leite e Pedro Luiz foram os narradores daqueles belos gols. Ouvi dezenas, senão centenas de vezes na radiola da sala de estar. A capa com a foto de todos, inclusive, os reservas. Eita, que orgulho de ser brasileiro. E Garrincha, entortando aqueles galegos de cintura dura?
“Didi, Pelé, Vavá bailaram lá na Europa E a copa veio pra cá”.
Pois é. Éramos os reis do futebol e cresci com essa convicção. Nas primeiras peladas na rua em que morávamos todos queriam ser Pelé ou Mané Garrincha.
Quatro anos depois tínhamos certeza de que iríamos ganhar a Copa mais uma vez. Afinal quem poderia com aquele escrete poderoso, amadurecido, experiente? E que além do mais contava com Pelé, o Rei, e Garrincha, o Anjo Torto?
Apenas fui ver os gols, meses depois, na sala de um cinema, em João Pessoa/PB e pude chorar vendo o rei Pelé manquitolando em campo pois não havia substituições àquela época. Mas também rir vendo Garrincha que parecia um Carlitos do futebol, carregando o time nas costas. Bicampeões! Pelé me perdoe, mas eu tinha uma especial predileção por Garrincha, que fazia do futebol uma festa.
Todo mundo queria ser Tri, e por isso foram convocadas para a copa de 1966 quatro seleções, sim, quatro! Havia um bonequinho, ou melhor um canarinho chamado Tri, bola Tri, tudo Tri, menos um time. Mais uma vez vi no cinema, em um filme inglês chamado Gol, as derrotas contra a Hungria e Portugal. Pelé caçado em campo, a violência correndo solta no que foi talvez a mais violenta das copas. Mas sabíamos, tínhamos a certeza no nosso coração de torcedores, que era apenas um sonho adiado. E foi.
Em 1970, tempos de ditadura, o comunista João Saldanha armou uma equipe de feras e passeou nas eliminatórias. Ganhei um bolão naquele jogo em que o Brasil meteu seis gols na Venezuela. Não sei por que, mas eu levava uma fé enorme naquele cara discreto que era o Tostão (Gabigol devia tomar umas aulas com ele).
Depois Zagalo assumiu o comando e sem levar crédito, a princípio, ganhou a Copa do Mundo. Essa eu vi ao vivo, pela TV. Vi Pelé fazer um quase-gol maravilhoso, chutando do centro do campo e fazendo o goleiro tcheco dar rodapés de aflição. Vi o Rei dar um drible da vaca no goleiro uruguaio que até hoje procura a bola. Vi Jairzinho fazer belas arrancadas até o gol. Rivelino disparar a patada atômica. Carlos Alberto estufar as redes da Itália. Vi o time todo brilhar, incontestável. Agora sim, tri.
Daí por diante não foi a mesma coisa. Nos EUA, em 1994, não me empolguei com aquelas vitórias minguadas, aflitas, agoniadas. Copa do Mundo vencida nos pênaltis, me poupem! Ronaldo, Ronaldinho e Rivaldo deram mais alegrias no penta, em 2002, vencendo e convencendo. Não imaginava, mas ali se fechava um ciclo vitorioso e se abria uma era de derrotas e humilhações.
Ou vocês não acham que os 7X1 foram uma humilhação? Que as sucessivas derrotas nas Copas, a derrota para a Argentina em pleno Maracanã na decisão da Copa América, o fracasso contra a Bolívia, os bailes que a seleção tem tomado de times de todos os tamanhos não são o enterro de uma geração em que apenas Neymar brilha, solitário? Os caras aprenderam a jogar ou nós desaprendemos?
Nelson Rodrigues dizia que tínhamos complexo de vira-latas, exorcizado em 1958. Sei não, mas sinto esse tal complexo voltando a passos largos, quando vamos precisar de um técnico estrangeiro para tentar salvar nosso time combalido.
Deixei de ter prazer de ver a seleção jogar. São tantos os interesses, valores milionários em jogo, grana de transmissão de TV, direitos de imagem desse povo todo, comissões nababescas, que a nossa briga hoje deveria ser por transparência nessas transações absurdamente suspeitas e nas fortunas acumuladas dessa turma. E agora, com sites de apostas patrocinando clubes e jogadores, hem? Pra onde será que estamos indo?
Esse banho de bola que a Colômbia nos aplicou, dominando e virando o jogo, é apenas mais uma pedra na derrocada do nosso futebol. Desisto. Essa história de dinizismo, então, antecipou a minha aposentadoria de torcedor. De ora em diante vou torcer apenas pelo Atlético, de Regomoleiro, ou pelo time de botões do Capitão, campeão aqui do bairro. E pelo meu Alecrim F. C., claro.
Por falar nisso, nem sei por onde anda. Quem tiver informação, por favor me avise.
Joguei, tempos atrás, em um time chamado "Duro na Queda". Disputamos um torneio que tinha um troféu chamado Bola Murcha. Ganhamos e foi uma festa. Pois é, vou repassar esse troféu para nossa seleção com todas as honras, essa, sim, faz por merecer uma grande bola murcha.
NATAL/ 2023
Nilo e suas pérolas magníficas.👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏