Barbie e seu monólito rosa
Alex Medeiros- Jornalista e Escritor [alexmedeiros1959@gmail.
Alex Medeiros- Jornalista e Escritor [alexmedeiros1959@gmail.com ] Publicado no jornal Tribuna do Norte
O sucesso do filme da boneca lembra o da série Batman e Robin dos anos 1960. A força da marca do brinquedo da Mattel é similar a dos personagens da DC Comics, tão forte que supera a deficiência de um roteiro bobo. É a mística do elemento lúdico, que opera no inconsciente e na memória afetiva dos fãs das figuras de entretenimento. Não há aspectos políticos e filosóficos na abordagem, apenas a excelente produção e explosão cromática na cenografia.
A trama dirigida por Greta Gerwig, que anteriormente já focou sua filmografia em outras personagens femininas (Lady Bird em 2017 e Little Women em 2019), segue a atemporal boneca estereotipada, que acorda um dia em seu mundo mágico e rosa e descobre que há um universo real onde as meninas e mulheres que ainda brincam com Barbie estão entristecidas. E o sinal para sua percepção disso é quando seus pés entortam e as coxas exibem celulites.
Como se pode ver no filme, nem Barbie é uma exceção no universo feminino quando a anatomia entra em conflito com a vaidade, essa qualidade que é em verdade um sétimo sentido além daquele sexto que só as mulheres podem ter.
Talvez tenha sido até por isso que a primeira impressão do The New York Times na semana de lançamento tenha definido a boneca assim: “A Barbie nunca foi um grande símbolo, mas é um excelente espelho”. E é bem provável.
Nesta questão de simbologia e espelhamento, é evidente que Barbie compõe o conjunto de itens que melhor representa a cultura do século XX. É um produto consumido desde o ano em que eu nasci e objeto de desejo das meninas.
O filme, que não tem estigma de feminismo e nem se insere na histeria do debate direita vs esquerda, é uma das mais bem-sucedidas jogadas de marketing da história do cinema, mesmo sem a qualidade exigida nos críticos.
Ali na tela, a Barbie deixa seu mundo de fantasia para encarar as agruras do mundo humano. E também ali, no escurinho da sala, milhões de fãs da boneca têm contato com a cópia virtual do brinquedo de plástico numa superaventura.
Há um antigo ditado que diz sobre nossos monstros e demônios internos: se você os alimentar, eles virão. E aconteceu com os muitos que politizam tudo na vida, que ao antecipar uma boneca comunista, achou a mesma de sempre.
A diretora Greta, que aos 39 mantém estampa “barbiana”, não ousou reduzir o clássico predomínio da cor rosa que acompanha a boneca desde 1959. Se há algum indício de feminismo é o fato de ter abobalhado o já bobo boneco Ken.
E aí, digo eu, tem que ser muito bobalhão, politicamente imbecil, achar que a futilidade coadjuvante do Ken seria uma pasteurização dos homens como mensagem ideológica de um filme que vende um produto hiper mercantilista.
Barbie, o filme, é uma puta jogada comercial, talvez a maior do cinema nas últimas décadas. De imediato, já recuperou as vendas de um brinquedo que ao longo dos anos sofreu queda devido ao advento dos entretenimentos digitais.
O que deve ter gerado a politização foi a abertura, numa paródia espalhafatosa com a clássica cena de “2001: Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick (1968), que mostra macacos se alterando após a aparição de um monólito.
E se o pouso de uma Barbie gigante no meio de meninas brincando de bonecas num deserto significa uma “aurora da mulher” (em 2001 é a aurora do homem), a suposta mensagem chegou com, no mínimo, 58 anos de retardo.
Em 1965, três anos antes do filme de Kubrick, o conjunto (na época ninguém chamava de banda) “Renato e Seus Blue Caps” foi muito mais ousado no meio e na mensagem, cantando: “Ah, deixa essa boneca e vem brincar de amor”.